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O Mundo ao Contrário

 
Era uma vez uma criança infeliz, de tão infeliz que era o seu sorriso mantinha-se inverso por longas horas, e arrancar-lhe um dos verdadeiros tornava-se cada vez mais obra para grande esforço.
Havia um gatinho chamado Jordão que sempre puxava pela criança infeliz, arrastando-a para o procurar em baixo da cama e dos móveis, fazendo-a virar a cabeça para o encontrar, de modo que via o mundo ao contrário, e sorria…
De cada vez que se virava das avessas sorria primeiro, depois ria contente e feliz com o encontro com o Jordão e com o mundo virado ao contrário.
O que fazia a criança infeliz rir de contente não era propriamente o encontro com o gatinho esperto que puxava por ela, mas a impercetibilidade e excitação de ter o Mundo ao contrário sob os seus olhitos grandes de espanto.
Espantava com a janela que lhe parecia mostrar um chão azul celeste e um céu verde brilhante salpicado de estrelas brancas e lilases e ao fundo uma frondosa lua coberta de frutos vermelhos de aspeto suculento.
Depois espreitava em baixo do baloiço do alpendre e avistava o céu verde rasgado por percurso de água doce que corria sem verter gota na terra azul onde pequenos canteiros brancos compunham desenhos no chão.
Depois Jordão foge para debaixo do carro e novamente a criança infeliz se coloca em posição de apreciar o céu cor de sol aberto, esvoaçando searas em ondas ao som da brisa da noite, e um prado azul-escuro coberto de pirilampos que magicamente acendem e apagam no chão afetos da sua emoção.
Depois deixa-se levar pela onda da brisa noturna e conta os pirilampos um por um, sem adormecer, atribuindo um desejo a cada um que lhe passava na imagem e na contagem.
Magicava por longas horas no Mundo ao contrário e no amor do Jordão, e isso fazia-a cada vez menos sisuda e triste. Permitindo-lhe o esboço de sorrisos fugazes quando Jordão fugia para debaixo das peças, por segundos, desafiando-a. Depois esta lembrava-se de o procurar virando-se ao contrário de pernas e rabo para o ar, colocando o olhar inverso sobre o Mundo. E dessa maneira acabava por compreender muito melhor as suas coisas que não são perceptíveis a olho nu, ou sem que dês a volta ao texto.

 
Autor
Ilia Mar
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