Se eu morresse hoje, é provável que muitos vestissem preto, escrevessem cartas tardias e deixassem flores sobre meu corpo inerte ,
como se a solenidade dos gestos pudessem compensar a ausência de gestos em vida. Mas confesso, essa ideia me incomoda profundamente.
Há algo de hipócrita, de profundamente teatral, nesse culto ao morto. Por que o homem precisa da morte para lembrar-se de amar?
Por que só se reconhece o valor do outro quando já não há mais olhos para ouvir, nem pele para sentir?
O luto tornou-se espetáculo, e a dor ,essa coisa íntima, crua e dilacerante
agora precisa se manifestar segundo os moldes da decência social, flores compradas às pressas, lágrimas cronometradas, discursos repetidos.
Não há mais espaço para o sofrimento silencioso, aquele que se arrasta pelas madrugadas e não exige plateia.
Amar em vida é o verdadeiro escândalo.É rebelar-se contra a pressa, contra o egoísmo, contra essa absurda lógica de que o afeto pode ser adiado.
e o luto, que ele seja vivido à margem, no escuro, sem necessidade de aprovação. Porque a dor genuína não pede permissão.