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A minha história VIII

 
Penetrámos descontraidamente pelas entranhas da soberba estalagem: prosseguindo entre as seis mesas de xisto vi na primeira mesa, situada no nosso lado direito, um homem envelhecido que tragava tranquilamente uma côdea de pão e sorvia aos poucos o vinho tinto que ainda restava dentro de uma malga rústica e enegrecida, olhou-nos cordialmente e cumprimentou-nos com sapiência; olhei o lado oposto, e reparei que nessa mesa estava uma mulher de meia-idade absorta e um homem meio adormecido, que parecia rezar em honra de um cesto atestado de pardelhas; as mesas que compunham o centro do salão da estalagem aguardavam pelos clientes em silêncio e vazias; dirigimo-nos ao encontro dos dois homens, que há algum tempo nos esperavam sorridentemente e em pé, na mesa mais recatada e do canto… Recebidos e doados os cordiais cumprimentos, o Professor apressou-se a relatar a delicada escaramuça com os cavaleiros bretões, nas fatídicas terras da Carrascoza… Mas, entretanto, a entrada do dono da estalagem avivou o local onde se encontrava o pescador das pardelhas, e assim se confirmou o nosso apetite e a vontade de molhar o momento com a primeira malga de vinho da casa… Enquanto os meus olhos luminosos tentavam descobrir a presença da enunciada Natividade, o Professor narrava as intrigas da Corte para o amigo Fernão Lopes, aflorando as obras do Castelo de Lisboa, e as intrigas amorosas da rainha Dona Leonor Teles com um tal de João Fernandes Andeiro, que era um fidalgo da Corunha, que estava hospedado em Estremoz. Do outro lado da mesa, o borbense Álvaro Gonçalves confessava-se aliviado pela ausência do Comendador D`Aviz, Vasco Porcalho, que tinha partido uns dias antes para casa do Alcaide-mor de Olivença, de quem era fiel amigo e partidário,conquanto, notei alguma preocupação nos olhos do fronteiro que, satisfatoriamente, anunciou a entrada de mais um convidado, o alcaide de Alandroal, Pêro Rodrigues.
Entre a copiosa algazarra de meia dúzia de árabes, que filosofavam e discutiam os segredos de uma azenha, e a abundante conversa de outros tantos frades, que vinham dispostos a devorar todo o feijão com labaças da estalagem, o alcaide de Alandroal juntou-se a nós e às apetecíveis pardelhas, que nos fitavam com o cheiro mais apetecível dos últimos tempos…
Entrementes, uma voz bradou da entrada – Pão quentinho!!!
O Professor aliviou – É a Natividade!
Respondeu Álvaro Gonçalves, com um largo sorriso – Sim, a Brites!...
Repreendeu o meu Mestre – Cala-te!…


As palavras são os olhos da alma...

 
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AntónioPrates
 
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Enviado por Tópico
MariaSousa
Publicado: 12/08/2008 21:19  Atualizado: 12/08/2008 21:19
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 Re: A minha história VIII
Só dei ainda uma "vista de olhos". Mas acho que vou ler desde o início e acompanhar a história.


Enviado por Tópico
António MR Martins
Publicado: 02/10/2008 22:02  Atualizado: 02/10/2008 22:02
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Usuário desde: 22/09/2008
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 Re: A minha história VIII
É o primeiro texto seu que leio, o VIII relativo à sua história, é interessantíssimo e muito bem escrito. Presumo que seja uma continuação das anteriores...assim sendo, terei de ler a partir do I.
Parece-me que o teor e a obra pode muito bem ser publicada em livro.
Parabéns!

PS-Vou citá-lo para ficar no rol de amigos.