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Oceanos que se entrechocam

 
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Oceanos que se entrechocam
 
O rapaz sente dentro de si um mar que parece explodir para o céu a meio, como que repuxo de dois oceanos que se entrechocam, saboreia a excitação do mundo que o espera duas horas adiante de si, prova do suor das batalhas que irá travar consigo, os projectos são irrelevantes, o que interessa é superar-se a si próprio, é transcender o que era ontem e ser o amanhã hoje, é mostrar a todos a sua imponência cognitiva, a sua majestade cerebral, a sua grandiosidade genial, já sente a adrenalina, já antevê o sangue a correr aceleradamente nas veias, o brilho enfiado nos olhos, o sorriso no canto da boca, as palavras acertadas de triunfo na resolução de mais um enigma, de mais uma dúvida, de um projecto que sem ele estaria atascado indeterminadamente nos lamacentos carreiros da mente comum, este é o oceano que corre numa direcção, contra ele esbarra um outro que lhe traz aos lábios uma água de sabor amargo, uma insegurança, um coração desocupado de afectos, uma alma desabitada de qualquer amenidade humana, terá sido uma rapariga loira que ficou ignorada numa estação, terá sido uma mãe de catorze anos que foi atirada para a irrelevância do esquecimento, sente-se a transferir uma vida para dentro de si enquanto se descarta da anterior, é cobra que muda de pele, mas a nova não surge ainda e a velha já se liberta, está ele nu, débil e frágil, como bebé de carne tenra, neste momento é como se existisse em coma, já não vive a vida que viveu, ainda não vive aquela que viverá, está numa ponte entre as margens que são a sua existência, ele olha para um lado e vê lá uma vida, olha para o outro e vê lá uma outra vida, onde estará ele que tão bem vê estas existências mas vive como se não fossem elas dele, como se não existisse ele já ou ainda, será o vácuo interior, o deserto identitário, todo ele é um ser oco, desguarnecido, destituído de miolo, comido de todo o conteúdo, é como um poste de electricidade, por si passam cabos que conduzem uma energia viva, mas ele não passa de uma estaca de madeira morta, viaja num avião climatizado, em bancos de pele, uma obra clássica baila no stereo, mas por dentro subitamente sente-se como uma criança despida, o calor solta-se da carne com o passar da noite, dentro de si ele dorme enrolado num chão frio de azulejo.


Não precisas de responder às tuas questões. Precisas é de questionar as tuas respostas.

 
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Andraz
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 14/01/2009 09:35  Atualizado: 14/01/2009 09:35
 Re: Oceanos que se entrechocam
Bom dia hoje deixo um comentário diferente, talvez porque hoje é um dia especial...

Saudade
Um dia a maioria de nós irá se separar. Sentiremos saudades de todas as conversas jogadas fora, as descobertas que fizemos, dos sonhos que tivemos, dos tantos risos e momentos que compartilhamos. Saudades até dos momentos de lágrimas, da angústia, das vésperas de finais de semana, de finais de ano, enfim... do companheirismo vivido. Sempre pensei que as amizades continuassem para sempre. Hoje não tenho mais tanta certeza disso. Em breve cada um vai pra seu lado, seja pelo destino, ou por algum desentendimento, segue a sua vida, talvez continuemos a nos encontrar, quem sabe... nos e-mails trocados. Podemos nos telefonar conversar algumas bobagens... Aí os dias vão passar, meses... anos... até este contato tornar-se cada vez mais raro. Vamos nos perder no tempo... Um dia nossos filhos verão aquelas fotografias e perguntarão: Quem são aquelas pessoas? Diremos... Que eram nossos amigos. E... isso vai doer tanto! Foram meus amigos, foi com eles que vivi os melhores anos de minha vida! A saudade vai apertar bem dentro do peito. Vai dar uma vontade de ligar, ouvir aquelas vozes novamente... Quando o nosso grupo estiver incompleto... nos reuniremos para um último adeus de um amigo. E entre lágrima nos abraçaremos. Faremos promessas de nos encontrar mais vezes daquele dia em diante. Por fim, cada um vai para o seu lado para continuar a viver a sua vidinha isolada do passado. E nos perderemos no tempo... Por isso, fica aqui um pedido deste humilde amigo: não deixes que a vida passe em branco, e que pequenas adversidades sejam a causa de grandes tempestades... Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
de Fernando Pessoa

Beijo
ConceiçãoB