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transformação

 
transformação

paulo monteiro

na escuridão da noite
dois olhos vivos olhavam
duas brasas sob açoite
de algum fantasma brilhavam

eram dois olhos profundos
com seu cintilar perdido
como dois pequenos mundos
enormes de um tempo ido

eram dois olhos malditos
olhos talvez em tocaia
esperando uns distraídos
para apagar com punhal

na escuridão de uma esquina
aqueles olhos brilhavam
e duas mãos sombra fina
uma navalha apertavam

dois olhos despreocupados
trazem dois bolsos aos lados
e nos bolsos remendados
alguns cruzeiros contados

o cristo da maravalha
seus pobres trapos espalha
em torno de si qual palha
cortada pela navalha

navalha enorme que sai
da escuridão e que cai
sem exclamação nem ai
sobre a garganta de um pai

navalha corta com fome
aquele vulto sem nome
depois a prole se some
esmolando atrás da fome

havia sangue na rua
junto de um corpo caído
e se achegavam chorando
os filhos do falecido

o assassino todos sabem
é morador das favelas
porém não sabem seu nome
e não sabem em qual delas

matou porque tinha fome
porém não tinha trabalho
os jornais não o disseram
porém todos sabem disso

também sabem que amanhã
esses órfãos sairão
esmolando por aí
e outros pais matarão
(do livro inédito eu resisti também cantando)


poeta brasileiro da geração do mimeógrafo pertence a diversas entidades culturais do brasil e do exterior estudioso de história é autor de centenas de artigos e ensaios sobre temas culturais literários e históricos

 
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PAULOMONTEIRO
 
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