Hoje não tenho nada 
Nem um marmitex 
Nem um pau-de-arara 
Nem uma cadeira-elétrica 
Nem uma corda atada à perna 
Para me asfixiar 
Ou me fazer sentir a Terra 
Eu a vejo estourando 
Não pela mão de um garimpeiro 
Ou pelo cinto de um muçulmano 
Não é o cigarro ou a cocaína 
O CO2 e as motocerras 
Vejo a goela entupida do Velho Chico 
As glândulas todas inchadas da Guanabara 
Olha o Mestre Vitalino 
Moldando mais um menino 
Que jamais se tornará homem 
O sol cáustico nordestino 
O impedirá de crescer 
Não vai estudar nem namorar 
Não vai aprender o beabá 
Maldito o modernismo 
Que me fez jovem educado 
Me fez um homem arrogante 
Velho rude e abastado 
Com esclerose e reumatismo 
Buscar o quê no futuro? 
As escórias do passado? 
Me cobrem até o pescoço 
Daqui do fundo do poço 
Nem o Te Deum do pontífice 
É capaz de conduzir 
Minh'alma ao paraíso 
Se Dante ainda existisse 
Diria a Bento Dezesseis: 
_Reza por esta miséria 
Manda chuva sobre a aridez. 
JOEL DE SÁ
SP, 31/03/2009.