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INQUISIÇÃO MODERNA

 

A pronúncia de uma palavra forte sangra como golpe de punhal, como a dor lancinante da bala perdida.
“Da a direito à palavra, da”!
“Com vocês, a palavra”.
A palavra é arrancada da boca do homem como um caramelo. Deixa, impiedosamente a criança em prantos.
Depois de dita e redita a palavra é dissipada. Torna-se dissimulada, enfeitada de retórica e é capaz de amargar o paladar e azedar os sentimentos.
Mais uma palavra para iludir, outra palavra deixada proferir simplesmente para enganar o incauto locutor de que ele tem direito a ela.
Onde está a docilidade, o recato das palavras que não ferem? As palavras sempre ferem quando há uma sede infrene em satisfazer a oralidade, quando busca satisfação pessoal ou quando há interesses torpes.
Os corpos em transe, as bocas mortiças entreabram, os sons abafados ecoam: sem palavras buscam prazer. Depois se abrem escancaradas, feito ferinos leões, arfando as cordas vocais, enquanto o desejo é apenas de devorar.
A palavra mal dita é o terror das gentes humildes. Oprime, humilha, pauperiza, relega ao desdém e se transforma numa herança maldita. O medo, a injúria e a condenação injusta estão contidas nessas malditas expressões. A incerteza é um forte teor dos dogmas e os homens nem sabem, nem reconhecem que estão caindo na armadilha sorrateira armada por ela.
A enorme fogueira acesa chamusca as carnes das criaturas humanas. A pira pipoca tão capciosamente que mal se percebe o lume de suas chamas. Porém, a palavra mal dita queima feito ácido sulfúrico, corrói os ossos e o cérebro. Ela é capaz de suscitar uma legião de acéfalos, homens com corpo, mas sem memória.
Os intelectuais proferem uma porção de palavras as quais possuem o poder de enriquecer as ideias. Os sem-palavras perdem-se num emaranhado verborrágico disfarçadas de retórica, que são condenados pela inquisição da oralidade moderna.


 
Autor
Joel Pereira de Sá
 
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