Poemas : 

A PARTIDA

 
A PARTIDA


Minha querida madrinha, aqui estou diante do seu corpo para dizer a senhora, que hoje, fiz questão de ser o primeiro a chegar para que pudesse diante de vós admira-la pela última vez. E corajosamente olhar bem no fundo da sua alma e convicto da minha condição de encarnado suplicar que me perdoe por todos os meus erros, pelas imperfeições que a matéria aqui na vida terrena é capaz de produzir. É a senhora sabe, nós somos tão pequenos que nem percebemos o quanto um filho causa tristeza a sua mãe quando a magoa, mesmo que esta mágoa tenha sido causada involuntariamente, é muito dolorido, mas só se percebe estas nuances quem tem um pouco de sensibilidade.
Minha madrinha, tanto eu tinha para lhe dizer, mas a falta de coragem juntamente com o orgulho me impediram de fazê-lo. Queria tê-la dito tudo isso enquanto a senhora estava entre nós. Não faço isso somente por fazer, mas para que me sinta mais leve e para que a senhora possa ¨partir¨ em paz. Perdão por tudo de mau que te causei, hoje tenho certeza que não fiz por mau. Perdão pela palavra áspera que te feriu como um espinho fere a flor. Perdão pela ignorância de não tê-la compreendido na magnitude que o teu coração merecia. Perdão por tudo de errado que fiz ao longo de nossa convivência.
Gostaria de tê-la abraçado e de beijar-te suavemente a face como o fiz diversas vezes e de tomar a sua bênção também. Nunca deixei de reconhecer-te como a melhor madrinha do mundo, e que tudo fez de possível e impossível para me ajudar.
Sei que nesta hora de dor nem sempre podemos mostrar todas as vertentes de nossas palavras nem de nossos sentimentos, porém não custa tentar. E, nesta tentativa de recuperar o tempo perdido, o tempo que queria dizer e não disse, aqui estou, diante de vosso corpo inerte, mas o espírito certamente me ouvindo e me entendendo, nesta sala fria que deixa o silêncio doer de tão sério, neste vento que sopra do lado de fora fazendo o véu que encobre o teu rosto sereno levemente se mexer e dobrar-se caprichosamente sobre corpo coberto de flores, e que te peço encarecidamente, perdão mais uma vez, e que em sua caminhada por sua nova vida nunca deixe desamparado o teu filho que nunca irá te esquecer.
Após a oração, feita ainda na sala do velório e depois que o caixão desceu a escada para ser conduzido, quando caminhávamos por entre as árvores e os mistérios que cercam todo campo santo uma ventania se fez sentir e logo podemos observar uma quantidade de folhas pelo chão. Descanse em paz e faça-se escrito o seu nome por toda a eternidade. Lúcia Helena, minha madrinha, mãe, titia, amiga, conselheira, tudo, etc, etc.




JOSÉ CARLOS DE ARRUDA.

 
Autor
Camões-Carioca
 
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