Poemas : 

A espantosa realidade das coisas

 
Tags:  Alberto Caeiro  
 
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.

Basta existir para se ser completo.

Tenho escrito bastantes poemas.
Hei de escrever muitos mais, naturalmente.

Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.

Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.

Outras vezes ouço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.

Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem estorvo,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.

Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.


Fernando António Nogueira Pessoa
( 03/06/1888 — 30/11/1935)
Autores Clássicos no Luso-Poemas

Alberto Caeiro
 
Autor
Fernando Pessoa
 
Texto
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2007
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Enviado por Tópico
HorrorisCausa
Publicado: 18/10/2009 21:12  Atualizado: 18/10/2009 21:12
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Usuário desde: 15/02/2007
Localidade: Porto
Mensagens: 3595
 Re: A espantosa realidade das coisas
sempre quis conhecer FP para lhe dizer de umas certas realidades que partilhámos, pensei que não era possível porque havia uma certa realidade que nos separava, independentemente da minha vontade, mas finalmente...aqui estamos!