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Parabéns Avó! 15.04.2007

 
A minha filha Madalena acaba de me perguntar quem é a senhora do retrato, que desde sempre está pendurado na parede do quarto dela… É curioso a Madalena, que é das crianças mais curiosas que conheço, nunca me ter feito tal pergunta. Já algumas vezes eu lhe tinha falado na Avó Lela, cuja relação comigo nunca ficou muito clara naquela cabecita que começa a dar os primeiros passos nas complicações dos parentescos. E logo hoje, no dia de aniversário da Avó Lela a pequenota deixa-me quase sem palavras… Como explicar-te que a senhora do retrato foi uma das mulheres mais importantes da minha vida… Como dizer à minha pequenina que as canções que lhe canto tantas vezes, as ouvi cantadas à minha avó, que não tinha muita musicalidade na voz, e até adulterava as letras, mas dava sempre ao que cantava uma doçura que ainda hoje me faz tentar escutar a sua voz, no meio das minhas recordações… que essa voz ainda me faz sentir conforto e ainda me aquece quando o frio da vida, que tantas vezes é madrasta, me ameaça gelar por dentro… Um dia Madalena, vais perceber que a beleza do nome que te dei é uma homenagem à mulher que me criou… que Maria Madalena que dizes com tanto orgulho, quando te perguntam o nome, é o nome da mulher que sem saber ler nem escrever tornou a minha infância cheia de sonhos e de histórias… A mulher que me ensinou que, na vida, podemos ser o que quisermos, só temos é de lutar muito…
Como dizer-te Madalena, que foi com a minha avó que aprendi a inventar histórias no momento, que sorrio sempre que me dizes que a história que contei no dia anterior não era assim… que me revejo nela sempre que tenho de te iludir para te meter mais uma colher de sopa na boca… e como eu sei agora o calvário que ela passou para eu comer… afinal tu és igualzinha..
Mas foi também com a Avó Lela que aprendi a amar o lugar onde nasci, a conhecer cada pessoa (e como eu detestava quando ela me obrigava a dar mais um beijinho a alguma velhota qualquer!), a conversar sem pressões do tempo, a “matar” a melancolia com um fado (o rádio ligado era presença obrigatória lá em casa) e a sorrir… sorrir sempre que saía à rua ainda que as dores quase a impedissem de andar.
Sabes Madalena, adorava que vocês se tivessem conhecido… ela ia-se rever tanto em ti… E não era só na cor dos teus olhos com que me encantaste na primeira vez que te puseram nos meus braços, é na forma como falas, como olhas de frente a vida, como sorris e como oscilas entre a tua teimosia e a doçura…
Se fechar os olhos ainda consigo sentir a doçura das carícias, daquelas mãos cheias de artroses, mas com uma doçura e um carinho tal que superavam todas as penas…
Um dia quando cresceres espero ouvir-te contar do teu primeiro beijo, do namorado com quem te zangaste, do professor que foi injusto… e espero ter sempre tempo e capacidade de estar atenta, como a Avó Lela sempre esteve… espero ter montanhas de segredos contigo e poder ler nas entrelinhas… E ser para ti a “rocha” forte onde te possas abrigar…
Como contar-te Madalena das tardes que passávamos juntas apenas a “coscuvilhar” e a ouvir os “discos pedidos” na rádio… e como eu a enganava a fingir que estava a estudar quando na verdade lia apenas um romance qualquer que me entusiasmava no momento…
Sabes Madalena a Avó Lela hoje faria anos, muitos anos… e na foto, de onde olha para ti vai estar sempre a proteger-te e afastar os sonos maus, como ainda hoje faz comigo… Curiosamente não me perguntas se morreu, nem onde está… será que percebes que ela vai estar sempre aqui, que está no teu nome, no teu olhar ou na doçura com que me embalou e hoje embalas as tuas bonecas…
Olho-te e luto para que não percebas que as saudades me corroem por dentro… que a vejo sempre que o vermelho de um cravo me aparece ante o olhar… Mas que renasço a cada dia, porque foi nela que bebi toda esta força para enfrentar os pretos e os cinzentos, transformando-os em claras manhãs de sol.
Sabes Madalena há amores que são perfeitos e nunca acabam… ainda que o tempo nos afaste… que podemos fechar os olhos com força e “matar” todas as saudades de um colinho ou de um abraço, porque o mundo é nosso, é uma estrela na palma da nossa mão.
Esta noite vou deitar-me e fechar os olhos, deixar que a Avó Lela afaste os meus fantasmas, ficar de novo pequenina… e dizer-lhe bem baixinho: “Parabéns Avó!”.


Maria Helena Peixoto

 
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Maria Helena
 
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