O Amor
de Victor Hugo
Pois que a beber me deste em taça transbordante,
E a fronte no teu colo eu tenho reclinado,
E respirei da tu’alma o hálito inebriante,
- Misterioso perfume à sombra derramado;
Visto que te escutei tanto segredo, tanto!
Que vem do coração, dos íntimos refolhos,
E tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,
- A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos;
Pois que um raio senti do teu astro, querida,
Dissipar-me da fronte as densas brumas frias,
Desde que vi cair na onda da minha vida
A pétala de rosa arrancada aos teus dias…
Posso agora dizer ao tempo, em seus rigores:
- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,
Levando na torrente as vossas murchas flores
Ninguém há de colher a flor que eu tenho n’alma!
Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,
A taça derramar em que me dessedento:
Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;
E, em mim, há mais amor que em vós esquecimento!
(Tradução: Álvaro Reis)
1
“E, em mim há mais amor que em vós esquecimento,
E vosso sendo assim, jamais eu poderia
Viver sem ter no olhar a imensa fantasia
E dela com certeza eu tenho o meu sustento.
O amor que em vós nasceu e em mim se fez alento
Enfrenta, destemido, a noite atroz e fria
E sabe desfrutar de toda esta alegria, 
E tendo-vos senhora, em vós meu pensamento.
Sabe do quão divino é nosso amor, querida
Encontro em vossa luz, decerto o meu abrigo
Viver-vos com ternura aonde em paz prossigo
É como se pudesse entregar minha vida
A quem tanto redime e mostra este caminho
Aonde em paz jamais eu seguirei sozinho...
2
“Do que cinzas em vós há mais fogo em meu peito;”
E sinto que talvez ainda em fogaréus
Eu poderei saber da Terra tantos Céus
E tendo neste amor além de simples pleito
Certeza de um caminho em luzes sendo feito
Cobrindo-me esta paz em claros, mansos véus, 
Os dias do passado, outrora tão incréus
Agora em tanto amor deveras me deleito.
Servir-vos sem pensar em qualquer recompensa
Podendo caminhar em meio aos temporais, 
Sabendo quanto brilho em mim vós derramais, 
Minha alma enamorada, em vós somente pensa
E tem esta certeza, embora tão fugaz
Do quanto amor é belo e nele imersa a paz.
3
“A taça derramar em que me dessedento:”
Vivendo a plenitude em vós glorificada
Singrando um mar imenso em noite enluarada
Bebendo da alegria expressa em manso vento.
Eu quero em vós a fonte aonde o meu alento
Encontra esta certeza em paz abençoada
Percorrendo universo adentrando a alvorada
E ter além de tudo o amor como provento.
Espessas ilusões escassas nuvens vejo, 
O sol tomando a cena, um ar nobre e sobejo, 
Entranha-se no olhar beleza iridescente
Prismática emoção, delírio triunfal,
Ensandecido gozo, amor tão magistral
Manhã tão soberana, agora se pressente...
4
“Podeis com a asa bater, tentando, sem efeito,”
Alçar um infinito e ver além do mar, 
Mas saiba que talvez ao sonho se entregar
Desejo que vos toma, enfim já satisfeito.
O amor não tem razões, e segue tendo em pleito
Apenas o carinho e nele ao se tocar
Tereis sem perceber, a terra, o céu, luar
Tocando mansamente, em ânsias vosso leito.
Escuto a vossa voz clamando por quem tanto
Deseja vosso amor e quando também canto
Pensando em vosso beijo, o mundo se transforma, 
Amor já não respeita enfim qualquer espaço, 
E quando em luz intensa o rumo eu quero e faço, 
Descumpro sem pensar, deveras qualquer norma...
5
“Ninguém há de colher a flor que tenho n’alma”
Tampouco poderá negar a primavera
Após se perceber terrível dura espera
Apenas o saber do amor ora me acalma 
E tenho ainda em mim bem vivo o velho trauma
Do quanto doloroso enfrentar a quimera
Da solidão cruel imensa e fria fera, 
Porém quando vos vejo encontro enfim a calma.
Nefastos dias, tive, e neles o terror
De não poder jamais viver um grande amor, 
E agora que vos tenho eu sei quanto é divino
O bem maior que existe e nada o calará, 
O sol que agora sinto, eterno brilhará
E nele com certeza, em paz eu me alucino...
6
“Levando na torrente as vossas murchas flores”
Depois da primavera aonde me entreguei
A seca dominando então a bela grei
Diversa do que outrora anunciara albores.
E sei que em vossas mãos, os dias sofredores
Traçando em tosca luz o que tanto sonhei, 
Secando então tal mar, aonde eu mergulhei
Deixando no lugar um lamaçal de dores.
Esgarça-se a esperança e nada mais me resta, 
A vida sem amor, deveras tão funesta
E a solidão transtorna andejo coração
E sei que depois disso, a noite não termina, 
O amor quando se acaba, extingue a velha mina
E a seca então destrói a imensa plantação...
7
“- Não envelheço, não! podeis correr, sem calma,”
Dizia assim ao vento um tolo coração, 
Espelho sonegando e dando outra visão, 
Deixando tão somente, a face escusa da alma
Em transparente ocaso, o fim já se aproxima
E nele nada tendo, apenas o vazio, 
Deveras este inverno aplaca algum estio
E assim morrendo logo o que se fez estima.
Não posso caminhar em meio aos temporais
E tendo-vos querida, o olvido, sonegais
Mas sei o quanto é duro, o espelho, nunca nega
E tendo esta certeza, o tempo se escorrendo, 
Apenas cada ruga, imenso dividendo
E o timoneiro teima e em duro mar navega.
8
“Posso agora dizer ao tempo, em seus rigores:”
Jamais o temeria, e sei quanto é capaz
De ter felicidade uma alma mais audaz
E nele ainda creio em dias, sóis e flores.
Não posso me negar a crer nos redentores
Caminhos que percebo ao trafegar em paz
Vencendo o meu temor, por vezes tão mordaz
E ter após a chuva, estrelas multicores.
O céu que tanto quero em plenilúnio imenso,
Em vós tanta alegria, eu sei desejo e penso
Traçando a cada dia um raro amanhecer
Vivendo a poesia e nela me entregando
Sabendo quão divino um ar sobejo e brando
Envolto pelo brilho enorme de um prazer...
9
“A pétala de rosa arrancada aos teus dias”
Deveras poderá quem sabe te trazer
Alguma novidade em raro amanhecer
Diversa do que outrora ainda mais querias.
Servindo como posso à tua fantasia
Quem dera se pudesse em mim vivo poder
De ter em minhas mãos, o quanto te querer
E nele traduzir a luz que se irradia
Tocando em teu olhar o brilho deste sol, 
Reinando soberano em todo este arrebol, 
Traçando uma esperança em plena solidão.
Da pétala arrancada eu sinto que talvez
Refaça-se o perfume embora já não vês
Primaveras em paz, transbordando em verão.
10
“Desde que vi cair na onda da minha vida”
A imensa maravilha em luzes tão sutis
Deveras me fazendo, então bem mais feliz
Traçando de repente, enfim uma saída.
A sorte que pensara outrora já perdida
Agora se permite em cores menos gris
Trazer mais soberano amor que sempre quis
Deixando no passado a sorte dolorida
De quem se fez tão só, buscando a claridade
E tendo em meu caminho, amor que é de verdade
A força sem igual decerto me movendo,
Negando a palidez do medo que se estampa
Moldando uma esperança, invés de fria campa
Na glória de um prazer, fantástico e estupendo...
11
“Dissipar-me da fronte as densas brumas frias,”
Gerando com certeza o amor que mais desejo
Sabendo a cada instante além deste lampejo
O quanto é necessário as várias alegrias.
Tomando o coração divinas poesias
E nelas o melhor, do todo que prevejo
Traduz felicidade, além do quanto almejo, 
Sonhando em farta luz, belas alegorias.
Não vejo outro caminho a não ser o do amor
E quando nele imerso eu penso em vos propor
Além de um simples passo em rumo à eternidade
A sorte mais audaz de um infinito sonho, 
Deixando adormecido o mundo tão tristonho, 
Bebendo desta fonte, amor, que nos invade...
12
“Pois que um raio senti do teu astro, querida,”*
E dele se percebe a intensa claridade
Trazendo ao meu olhar sublime liberdade
Mudando num repente a direção da vida.
O quanto eu te desejo e sonho a cada instante
Mergulho em teu abraço e bebo da saliva
Deliciosamente em ti, a noite é viva
E a lua sobre nós, deveras deslumbrante.
Quisera ter agora o quanto necessito
Do amor que tu me deste e nele se moldar
Além da soberana estrela constelar
O gosto sem igual, intenso do infinito.
E amar-te é muito além de simples poesia, 
É ter em minhas mãos, total soberania!
13
“A boca em minha boca e os olhos nos meus olhos”
Assim eu poderia enfim saber da glória
Do amor que tanto tenho e nele esta vitória
Cevando cada flor, matando então abrolhos.
Viver a fantasia e nela perceber
O quão maravilhoso é ter bem junto a mim, 
Aquela que domina, em luzes meu jardim
Na fonte delicada, em gozos me embeber.
Pudesse ter no olhar apenas a lembrança
Da rara poesia aonde amor se deu, 
O mundo na verdade eu sei, seria meu,
E a sorte mais ausente, a mente agora alcança
Vivendo esta beleza em face deslumbrante, 
No amor que com certeza, aos poucos me agigante!
14
“E tive o teu sorriso e enxuguei o teu pranto,”*
Deveras tanto amor jamais imaginara
A vida sempre fora, atroz e sendo amara
Trouxera tão somente a dor e o desencanto.
Agora quando eu vejo o olhar ensandecido
O tempo que se foi, na ausência de um carinho
Mergulho em tal abismo e sigo então sozinho, 
Vivendo do passado aonde encontro olvido?
O quanto se perdeu e tudo fora em vão
Somente em meu olhar a dor me consumindo, 
O mundo que pensara outrora ser infindo
As dores do viver, em trevas mostrarão
O rumo em descaminho em mim eu sei se esconde
E amor por onde estás? Responda. Diga aonde...
15
“Que vem do coração, dos íntimos refolhos,”
E neles falsidade encontro invés de paz, 
Apenas o vazio, imenso e duro antraz
Penetra duramente invadindo os meus olhos.
Recebo tão somente a voz da ingratidão
E nela não encontro além deste vazio
Que em verso triste agora, aos poucos eu desfio, 
Negando desde sempre a força de um verão.
Pudesse transformar a lágrima em sorriso, 
Vivendo plenamente o amor que tanto quis, 
Seria finalmente, então bem mais feliz, 
Quem sabe assim veria, enfim o Paraíso?
Mas quando eu te percebo; ausente e tão alheia, 
A solidão, somente, aos poucos me rodeia...
16
“Visto que te escutei tanto segredo, tanto!”
E agora não podendo enfim seguir meu rumo, 
Os erros que cometo, engodos que eu assumo, 
Traçando em meu caminho um turvo e negro manto.
Acordo e quando vejo o leito solitário
Percebo que jamais terei o teu amor, 
Sem ele com certeza, a vida perde a cor, 
E o tempo se tornando, então duro corsário
Levando o meu tesouro, o barco perde o cais, 
E sem ancoradouro, aonde poderei
Viver se não consigo encontrar noutra grei
Momentos que bem sei já foram magistrais, 
Recebo a tempestade e nela tanto medo, 
E embora inda relute, afinal, eu já cedo...
17
“Misterioso perfume à sombra derramado”
Deixando para trás o que pensara vida, 
E assim sem perceber se tenho uma saída, 
Vivendo do que fora à luz do meu passado, 
Escarpas que enfrentei, montanhas, cordilheiras
A sorte destroçada, o tempo todo em vão
O corte preparado, as dores que virão
A noite solitária, estrelas derradeiras
Mergulho neste abismo e vejo o nada ser
Tocando mansamente a pele em carne viva, 
O gozo desejado, a solidão me priva
E tendo tão somente agora o desprazer
Mortalha que carrego um luto eterno insano,
Dizendo deste amor, envolto em desengano...
18
“E respirei da tu’alma o hálito inebriante,”
Tocando a tua pele em rara maravilha
O amor que tanto quero e sei o quanto brilha
Qual fora desta vida, incrível diamante
Trazendo em todo verso, insuperável sonho
E quando nele imerso eu bebo a claridade
E dela enfim traduzo a luz da liberdade
Que agora com carinho, em sonetos componho.
Viver eternidade a cada poesia
E dela transformar o mundo em plena paz, 
Deixando o sofrimento agora para trás
Tocado pela glória aonde se irradia
Beleza sem igual ternura fabulosa
Cevando em ti querida, a bela e rara rosa!
19
“E a fronte no teu colo eu tenho reclinado,”
Sabendo quão divino o amor que me conduz
Ao braço redentor e nele tanta luz
Diversa do que outrora eu vira em meu passado, 
Singrando em ti o mar aonde um cais divino
Pudesse me trazer a fonte de um desejo
Que a cada amanhecer em ti sempre prevejo
E dele todo o brilho aonde me alucino.
Em ti encontro enfim a paz que tanto quero, 
No amor mais desejado, o sonho enternecido
A glória de saber: a vida faz sentido, 
Tocado pelo encanto o mais puro e sincero.
Amar e ser amado: intensa maravilha
É como imenso sol eterno que ora brilha.
20
“Pois que a beber me deste em taça transbordante,”
E dela me sacio um pouco a cada dia, 
Vibrando com prazer, amor ora me guia
E leva ao mais perfeito e raro diamante.
Eu quero estar convosco e ter em vossas mãos
A glória de saber o quão maravilhoso
Caminho que percorro em luz e pleno gozo
Deixando no passado os dias frios, vãos.
E sendo-vos senhora, agora mais fiel
Encontro finalmente a luz que tanto quis
Podendo então dizer: agora sou feliz
E tenho esta visão sublime deste céu
Aonde a estrela guia eleva-me deveras
Trazendo para a vida eternas primaveras!
                
De Praia para o mundo lusófono
        
                VALMAR LOUMANN