Prosas Poéticas : 

Clara

 
Tags:  amor    paixão    descoberta    dezembro    platonismo  
 
Quando Clara chegou eu já estava lá. E é como melhor posso dizer da sensação que tive ao ver as leituras e expressões menores invadidas e saqueadas por ela. Há tempos imemoriais eu era o mesmo todo, complexo e conciso, determinado e determinista, e, sobretudo, vasto. Percebo agora que Clara foi, desde a manhã na qual se fez concreta, como a presença da morte a me tocar sem pedir licença, desordenando os elementos que, coesos, me desenhavam os sonhos diante dos olhos e a vida diante das mãos. Nada restou de matéria minha que não ruísse aos seus trancos, seu dom de interromper o que antes era fato, fazer das horas metáforas, e reviver Platão.


Eis que num Dezembro, quando beijamo-nos enfim, perdi naquele beijo a chave da arca em que escondera intensos medos, imensas fantasias com que brincava em carnavais remotos. Perdi os olhos castos em que Clara nunca pôde olhar, porque, ao chegar, a ingenuidade repousava nua e envergonhada. Naquela cena a conheci profunda, porém muda. Creio não se saber o outro mais com frases do que com silêncios, e talvez aí mesmo, na ausência da voz, estejam causa e prova de minha loucura. E mais que o gênio de Clara parecesse transtornar o tempo e as aras, debrucei perplexo ao calendário de Dezembro, e Dezembro se esticava, e ainda Dezembro...

Dezembro jamais acabou, em mim.
 
Autor
pedrocavalcante
 
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