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Carta à Insónia

 
Cinco minutos depois das 6, canta a noite sem sono. E mais uma noite ! Deambulo pela casa já de madrugada , uma insónia que tome conta de min . Certamente, quando só no silêncio próprio da noite , inconscientemente acabamos por pensar , e pensar , e pensar ...com ou sem sentido , o que gostaríamos de ter feito, e deixamo-nos cair no esquecimento da hora. É nestas alturas que sentimos a vontade de tudo agarrar, e recriar ...os castelos de criança, já esmagados pelo tempo , falar àqueles que o próprio tempo fez desencontrar, reencontrar o amigo imaginário que fazia companhia quando a mãe apagava a luz do quarto. O medo do escuro deixava de existir ! A menina do lado ,de quem gostava, com quem brincava, sim...bela companheira , e depois penso !!! Poderia lhe ter dado um beijo !!! (se calhar toda a gente já fez esta pergunta !)

Talvez tenha sido melhor assim, ou sido o destino que assim quisesse . Passado estes anos todos, é um pouco estranho tentar encontrar respostas , onde sequer as perguntas já não fazem sentido algum. A nostalgia pode ser saudosa com riso , saudosa com choro, pensando bem... é o que nos faz mover no dia-a-dia (ou não) ! Tudo faz sentido , e ao mesmo tempo deixa de o fazer, olhar para trás e arrepender daquilo que não se fez, não é resposta a nada , a não ser ao nosso ego . E como a noite e o silêncio permite que eu veja as coisas de uma outra maneira ! (mas não será assim com todos nós ? )

Sento-me no sofá , leio mais um pouco, ligo a TV, e faço zapping, mais um cigarro , um copo de água , e a insónia ri-se como se de mais uma vitória tratasse...realmente, é uma vitória ! Pela varanda da sala, ouço ruidosamente o zumbido do reclame de néon e o piscar de luzes irritantes da loja de baixo, que me entram pelas persianas entreabertas. Levanto-me , pego numa maça, a única da fruteira, olho para o relógio, já é tarde, muito tarde, vou até à varanda . A chuva já se foi, a noite ficou amena, mais calma ,uma brisa serena com ecos me chama , é estranho ! Alguém com passadas largas passa do outro lado , cambaleando um pouco apressado, tentando se equilibrar , tenta se manter preso a uma linha traçada no chão pelo seu imaginário , para assim tentar se endireitar, mas o álcool não deixa. Perco-o de vista . Semáforo verde para os peões , uma carrinha em paragem brusca, por baixo da minha varanda, (lá pensou que conseguia passar a tempo...ou talvez tenha sido o cansaço a pregar partidas) . Enquanto espera pelo sinal verde, esboça um sorriso, e fala sozinho, (vá se lá saber em que pensaria), ao cair do sinal partiu acelerado, deixo de o ouvir lá longe, mas ainda pressinto as ténues luzes traseiras. Há vários minutos que nada acontece, a rua assim, é mais minha . Pequenas manchas no Céu parecem conter os traços de um rosto humano com várias feições ! Acabo o cigarro...volto para a sala...e reparo o mesmo de muitas outras noites...

Uma luz que se acende em frente ao meu prédio , o mesmo vulto de muitas noites , anda de um lado para o outro como se sentisse perdido, o mais certo é ser a tal insónia, a mesma que eu me debato. De dia mantém as persianas fechadas, à noite sobe-as , nunca percebi muito bem, se calhar vive de noite ! Nunca me cruzei com ele , estranho ! Só vejo esse vulto nas noites da minha insónia, estranho ! Ponderando bem...poderia ser a minha imagem reflectida no vidro da varanda !!! faz sentido...ou estou a ficar louco ?

Quanto tempo levará a passar a noite?
Talvez o mesmo de ontem !
Quantas marés terei de ondular
Para que ao meu " Porto " eu chegue .
Quantos desertos terei de atravessar
Entre tempestades de areia
E visões da minha imagem
Num Paraíso de ninfas...
Quantas mais insónias terei de suportar ?

O melhor é deitar-me e não pensar !
Para eu contar isto, é que conheço todas as horas de uma "noite de insónia" !

(Toze Ribeiro)

 
Autor
Toze Ribeiro
 
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