Poemas : 

Teu cheiro (republicado)

 
Teu cheiro
De suor curtido, dormido,
De sol a pino sobre andaimes,
Escadas, bueiros
Brita e betume.

Teu cheiro –
De quem sua de frio,
De medo, de náusea;
De quem transpira de gozo
De quatro sobre corpos
E camas,
O das putas e meninos
No batente de seus leitos,
Suando de medo, de frio.

Teu cheiro
De pressa sob o sol,
De apitos aflitos,
De corpos e gritos
Suarentos, esforçados
Por fito do qual se ignora
O motivo: puro rito
A ser seguido
Nos vigores do dia.

Teu cheiro
Desaba sobre mim
Em torrente,
Viscosa corredeira
De um vau sem fim,
Enterra-se fundo
Em minhas narinas
Por uma extensa avenida
Trescalante de rastos
E fétidos ares.

Teu cheiro:
Odor citadino
Do estranho que passa
Nos misteres diários,
Em pegajosos coletivos
Transpirando fadigas
E vasilhas vazias
Dos almoços e bares.

Teu cheiro
Pendurado nas marquises
Dos homens de macacão
E boné,
Sujos de tinta e estuque –
Como fedem sorridentes
Sob a torridez tropical!

Teu cheiro
Contra os perfumes
De meio ambiente:
Rosa, lavanda, baunilha,
Sachês aromáticos
Difundindo
Climas artificiais.

Teu cheiro:
Odor de cerrado ambiente
E sudorífera seiva –
Essência das horas
E trabalho
Que fica no assento,
Na roupa, no braço
Querendo ganhar os espaços,
A rua, o tráfego, intruso,
Feito um teto de febre e laje
Sobre exausta cidade.

Teu cheiro
Azáfama, faina e labuta
Epidérmica,
Sobre a musculatura do dia
Que perdura
Em absconsas regiões
De bílis, de afeto e quimera,
Mesmo após o banho
E uma noite sem sonhos.

 
Autor
Felipe Mendonça
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/05/2013 15:42  Atualizado: 11/05/2013 17:27
 Re: Teu cheiro (republicado)
Mais um poema social. Acho interessante como você aborda o isolamento humano mesmo sendo parte de um todo, são incomunicáveis, mesmo estando interligados como engrenagens de uma mesma máquina. Seu interesse pelo coletivo é latente, seja perseguindo o indivíduo que vai a lugar nenhum e nunca é alcançado, como em outro poema, ou destrinchando a vida dos que passam cheirando trabalho e deixam-nos não mais que o cheiro, que dilui-se num coletivo de odores. Legal... quanta história atrás do suor! Quanto trabalho ocasiona o suor! E é motivante trabalhar e suar pelo sonho! Mas o doído, aqui, é ler e concordar, no final do poema, que o homem máquina vai dormir após o banho, e dorme uma noite sem sonhos... que pena... e acordará para trabalhar pela simples sobrevivência, viverá por viver, por que dorme e vive sem sonhos... grande abraço, poeta (teus textos engajados a respeito dos homens livres, operários, escravizados pelo trabalho, arremessam-me aos textos magníficos de Jorge Amado).


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 11/05/2013 17:01  Atualizado: 11/05/2013 17:01
 Re: Teu cheiro (republicado)
um texto que me faz pensar, sempre um passo à minha frente. parabéns, Felipe.