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A Passagem da Aranha

 
Eu escrevo este pergaminho, e enfio-o numa maldita garrafa, para que sirva de aviso àqueles que… por ventura vierem a encontrá-la… tenham o que eu não tive. Uma escolha!…
E que isso salve a minha alma… pois o meu corpo já tem padecido de males indizíveis…


Nos subterrâneos do istmo de Goldenbridge, Europa oriental, no ano de 1.104 de nosso Senhor, fora forjado na terra, um longo, escuro e fétido túnel, de três quilômetros de extensão, que procura facilitar a passagem de valorosos guerreiros e cavaleiros para o outro lado da enorme e gélida cordilheira dos Cárpatos, onde se enfrentava a turba de infiéis que desejavam invadir as terras sagradas. Entre estes valorosos homens, cavaleiro de Briphenburgo, eu!
Era o outubro de 1326, e eu devia encontrar o meu rei na passagem do rio de Galamont em novembro, antes da grande nevasca, para receber dele instruções para a grande ofensiva contra os turcos.
Depois de quatro dias sozinho na estrada, eu e a minha fiel montaria, encontramos o famigerado túnel, e a cordilheira feito coroa que ele procura vencer, arrastando-se tal qual verme debaixo do solo. Talvez, se estivesse sozinho, poderia arriscar-me a atravessar a cordilheira por cima, embora isso fosse me custar mais uma semana. Mas como o meu povo dependia de mim, pois o tempo não estava do nosso lado e o meu cavalo não poderia cavalgar semelhante terreno, segui o meu caminho por aquela estranha caverna, que ninguém jamais descobriu por quem fora cavada, ou descobriu… mas não retornou para contar.
Se encontrá-la, saberá do que estou falando. Um escuro e tortuoso buraco, que de repente surge na estrada, primeiro como um estranho fosso, depois, um túnel. No início, escuro, mas logo depois, estranhas pedras e rochas preciosas e fosforescentes iluminam o lugar, que logo se torna úmido e viscoso. E sobre o cheiro que por lá abunda, eu não falarei nada, pois a minha mente ainda não se recuperou de tal agouro, e seria por demais penoso ocupar-me dele novamente.
Lembro-me que um dos meus últimos pensamentos, fora o porquê de nenhum homem, jamais ter vindo aqui para explorar tamanha riqueza que reluz nessas joias...
E… naquele momento em que tudo o que a escuridão permitia que eu visse fosse apenas a cabeça alva e firme de meu cavalo à minha frente, algo, ou alguém, puxou-o violentamente, lançando o seu pesado corpo as alturas, como se fosse um pequeno filhote de cão!
Mal me refiz do cruel tombo ao chão, quando a cabeça de meu cavalo caiu do meu lado, ainda ligada à sua coluna vertebral, que se debatia feito uma cobra!
Sim… eu recordo-me disso…
E recordo-me também de um maldito som, que de forma alguma consigo descrever, que inundara a caverna furtivamente, com uma segunda sombra, ainda mais escura que doutrora. Um sentimento elétrico subiu por minha espinha e arrepiou os meus cabelos, sendo que nem na mais terrível das batalhas, onde encontrei a própria morte em pessoa com a foice na mão, semelhante coisa me acometera.
E havia um fedor nauseante que pareceu pregar os meus pés ao chão, a despeito do meu esforço e de todo o meu pavor…
Mas, sem demora brandi a minha espada, pois sou guerreiro, e em boa hora estivesse para morrer, não iria sozinho, e apresentar iria à sombra demoníaca que se aproximava, o amargo gosto de fel da lâmina da minha espada! A mesma espada, cuja superfície polida e brilhante, fulgurou impávida, dissipando a escuridão ao redor de mim.
- Venha comigo, nobre e corajoso cavaleiro... – Uma voz, suave e macia, que de tão angelical, afagou os meus preocupados e atentos ouvidos, e deitou de volta os meus cabelos no seu devido lugar, partia de uma criatura feminina e formosa, que nem mesmo na corte do rei Julian, famosa por suas damas e meretrizes, encontrei mais radiante exemplar de mulher! Ela trazia uma tocha de uma luz azul libertadora, que as sombras e o mau que vinha com a sombra, pareceram desaparecer perante a sua emanação!
Seguia-a sem pestanejar. Minha musa salvadora, pois sua beleza hipnotizara os olhos e o coração deste calejado guerreiro.
Corremos com especial pressa pelos estranhos túneis à nossa frente. Um após outro que nos sucediam, até que paramos num alto salão encravado na rocha pura.
- Aqui, encontrará a sua redenção! – disse a mulher, do alto de sua espantosa beleza, mais uma vez tranquilizando-me.
…Mas… fez-se um silêncio desconcertante. Por alguns minutos ela me olhava sem dizer nada, e eu, da mesma forma agia, sem o saber porquê…
Os olhos dela, azuis claros brilhantes, fixados em mim sem piscar … e um sorriso imutável, pregado no seu rosto meio que artificialmente, incomodavam os recônditos mais profundos do meu ser!
A tocha caiu de sua mão… e ela pareceu gemer com uma dor tão lancinante que tive de tapar os meus ouvidos para não enlouquecer com o seu lamento.
Logo, a sua barriga pendeu para o chão, como uma bolsa asquerosa e causticante carregada de espinhos negros e cabeludos, e cheia de um quê vermelho escuro que vazava… E das costas, ventre e ombros, surgiram, como que saltados, apêndices articulados e sinistros, que não paravam de se mover com sofreguidão!
Assim, dessa forma, enquanto a sombra retornava gradualmente à extinção do fogo azul da tocha, a mulher tomava os contornos de um grande ser em forma de aranha!
E nessa hora não faltaram santos ao meu repertório, e desconfio eu mesmo ter criado três ou quatro qualidades deles que jamais existiram.
Ao desembainhar a minha espada, e pronto para morrer com honra, a luz de sua lâmina libertadora, revelou-me um exército de seres artrópodes pendendo do teto e das paredes por sobre a minha cabeça!
Uma chuva de teias fétidas e visguentas, que me reteram num muco semelhante a vômito, deixaram-me imóvel diante da ameaça diante de mim.
A entidade, que assumira uma forma quase impossível de descrever, mas que em tudo lembrava uma aranha, aproximou-se de minha pessoa.
Outras também vieram…
A Aranha mor, arrancou das menores, as suas patas… e enfiou-as em mim, atravessando as minhas costelas, atingindo as minhas entranhas, transformando-me numa grotesca imagem de um homem com patas de inseto, como uma marionete ou espantalho… e fez isso, até que se contassem 8… 4 de cada lado….
Comecei a sentir calafrios, o sangue não abandonava o meu corpo, pelo contrário, se infeccionava cada vez mais com a presença dos corpos estranhos em mim.
Numa reação extrema, aquelas patas se fundiram,,, as minhas pernas caíram… e me tornei um tronco de homem em forma de aranha…
Agora vago pelos túneis e lugares escuros… e hoje… andando pelos calabouços do castelo em Vanghor, encontrei um cadáver de prisioneiro que escrevia uma carta… provavelmente para jogá-la ao mar numa garrafa… mas a morte o encontrou primeiro…
Então, aproveitando as penas e os papiros que encontrei, procurei escrever esta mensagem, usando apenas a minha boca, pois os meu braços de humano já se foram há muito tempo….
Leve-a em conta, aquele que a ler… e espalhe a mensagem a todos… Queimem os túneis,,, destruam tudo!
E jamais se deixem levar pelas aparências…
Hoje, como aranha, posso vislumbrar a alma das pessoas… e são nas pessoas de bom coração, que a alma irradia de forma espetacular e brilhante, muito mais bela e encantadora, que qualquer beleza fulgaz, fadada à putrefação, ao barro, e ao túmulo…


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London
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