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São sentimentos

 
Derivadas de sentidos próprios. Onde eu, somente eu posso auscultar os passos que se dão em direcção a um desespero que impera no ímpeto humano. Nunca fomos mais do que um poço de destruições vãs. Todo o que se deseja, no fundo, é o auto-consumo de nós próprios em relação a um despejado e horrífico apreço à vida.
O amor, essa vã palavra que se emprega, cada vez mais eu sentido brejeiro, morre nas bocas de actos que não merecem ser assim catalogados, nem tampouco adjectivados, de um sentido imenso que remete para uma magnânime interferência de sentidos e filosofias. Como me iniciava, o amor já não nos habita pelas propriedades devidas. Hoje em dia o amor é cada vez mais uma peça rotular de pessoas que se necessitam de consumir umas às outras para atingir uma plenitude que já não se consegue em simples actos ou momentos. Sinto que o sentimento que apregoei ser concomitante entre os fruídos consumistas de plenitude remete, tão-somente, para um estado onde as coisas funcionam cada vez pior num mundo que queremos cada vez mais instável – porque nos faz viver – e mais distante, ao mesmo tempo. Estou em crer que o amor (vero amor), morreu.
A morte aceita este sentimento como seu. Também, pudera! Quem lhe mais idêntico será? Não seria injusto de todo afirmar que são opostos. Mas não quero afirmar tal. Não é justo para ambos. Juntos <br />importam e comportam em si mais do que qualquer outro sentimento! Diria que são o pleno de conjugação máxima de um grupo de sentimentos menores. E que em todos podem vestir casacos diferentes. Sendo a morte mais figurativa que real. Para uma pessoa morrer ou querer morrer, necessita de uma dimensão maior que a dimensão da pessoa em si. Imaginemos o devir da morte à pessoa. Quando esta lhe confessa que não mais aguenta. Que a sua vida mais não lhe faz sentido. Que pessoa quer tudo da vida? Que pessoa se distancia da mesma? É estranho questionar tal coisa. Mas num fundo bem superficial é fácil de encontrar a resposta que se procura.
Existem pessoas várias e estou em crer que quando mais variadas forem mais saudável será para elas mesmas. Quantas mascaras usamos nós. Quantas vezes vão de encontro a nós? Lembro-me do dia em que a morte afirmou ao amor:
- Amo-te. Disse a morte, certa de que esse sentimento a habitava numa imensidão que lhe metia dó.
- Como me albergas tu em ti se eu próprio estou aqui, defronte à tua projecção metafísica. Não estarás tu confusa. Disse um amor puro e maduro que enquanto bebericava a sua chávena de café olhava sentimentos azafamados nas ruas de um país que ainda não existe.
- É possível que sim, que esteja… mas como me explica o que sinto então, Amor? Que é isto que cresce de tão alarmante forma em mim? Questionou a Morte. Sentia-se tão abalada pela feminina forma, pelas fragilidades foragidas.
- É possível, só possível que te estejas a transmutar.
- A metamorfosear? Impossível! Repeliu.
-Talvez seja amor, talvez não… nunca o saberás pois eu não te moro nas medidas que as regras demandam.
- Pode ser amor… disse a Morte. – Um diferente amor. Onde tudo tem um tempo e um lugar. Onde uma conjugação, pelas coisas que contem, possibilita a não concretização de momentos. Onde não acontece o que deve acontecer. O que é suposto acontecer! O que se deseja, em suma.
- Pode ser, Morte. É possível. São casos de desamores, de violentas objecções à postura de um sentimento retractado no mundo que existe lá fora. São amores diferentes. Fora da minha jurisdição sentimentalista.
- Mas…
- Mas nada, Morte. Somos possíveis, hoje somos enovelados.
E quando a imagem se afasta do momento secreto que os sentimentos detêm e juram reservar só para si. O mundo revela-se mais verdadeiro. As pessoas que se desprendem da vida tendem a ter um amor que reside nas profundas e estranhas vísceras da morte. Não que seja ele estranho, contra natura, anormal. Amores e desamores são a mesmíssima coisa. Somente têm tactos diferentes. Dimensões para as quais não estamos preparados. Mas pelas quais desejamos uma vida inteira. Pois quem disse que não se pode amar sem nunca se ser beijado?

Mesmo que não seja do vosso agrado. Criticas são sempre bem vistas por aqui. Tanto mais que escrever assim é novo para mim.

 
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Neofragmentação
 
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Enviado por Tópico
Maria Verde
Publicado: 25/02/2008 22:40  Atualizado: 25/02/2008 22:40
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Mensagens: 3489
 Re: São sentimentos
Não é um texto fácil de comentar, isso vos digo. Tua falas do amor, da morte e de sentimentos vãos... a prosa é muito intimista e gostei verdadeiramente. Muitas vezes não se morre de amor? pelo menos já ouvi fala.

abraço carinhoso

Maria


Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 28/02/2008 01:30  Atualizado: 28/02/2008 01:30
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 São sentimentos_ Rui
Tens muito de mim em ti... muito do que foi, do que é e ainda do que há-de ser. As tuas palavras revelam o caminho a seguir em busca dos sentimentos perdidos e achados onde menos se espera, a tua verdade é só uma e deveria ser a do mundo.

Quanto às críticas? A minha não poderia ser senão positiva. Tens uma escrita muito envolvente, temática interessante, fundamento, ensinamento, momentos de essência e outros de prática. Sabes onde ir!

Um beijo em ti*

desta escritora (zinha) .


Enviado por Tópico
Mel de Carvalho
Publicado: 01/03/2008 18:40  Atualizado: 01/03/2008 18:40
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Usuário desde: 03/03/2007
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 Re: São sentimentos (de Neofragmentação)
Estou a lê-lo (este e outros textos) pela primeira vez. Tento entrar no seu universo de escrita, tento ler para além do que está escrito. Existem nos seus textos valores que partilho, opiniões que partilho igualmente. A escrita é, regra geral fluída. Creio que gostarei de o continuar a ler, pelo que, e desde já lhe agradeço a partilha.

Um abraço
Mel