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CARTAS ELETRÔNICAS - I

 
SOBRE A LIBERDADE NA POESIA

Meu Amigo:

Realmente, os poetas devem gozar de total liberdade em suas rimas e no seu modo de versejar. Horácio deixou-nos uma sábia citação: “Aos poetas e aos pintores sempre foi concedida a liberdade de ousar qualquer coisa”.
Tanto é verdade o pensamento de Horácio que vou lhe dar alguns exemplos.
Observe estas duas estrofes da tradução que o poeta Visconde de Castilho fez do Fausto, de Goethe:

Catava-se um rei, quando acha
Nas suas meias reais
Uma grande pulga macha
Pai-avô e Adão dos mais.
..............................................
No clero, nobreza e vulgo
Foi imensa a admiração,
A primeira vez que o pulgo
Se mostrou de fardalhão.

O vocábulo «pulgo» não havia nos dicionários e nem no vocabulário da época e, acredito, que nem hoje.
Veja o soneto “A uma deusa”, atribuído ao poeta Luís Lisboa do Maranhão, perfeito na métrica e nas rimas. Transcrevo apenas as duas últimas estrofes:
........................................
Teus lindos olhos têm barcalantes
São camencúrias que carquejam lantes
Nas duras pélias do pegal balônio.

São carmentórios de um carce metálio,
De lúrias peles em que pulsa obálio
Em vertimbáceas do pental perônio.

Na primeira passada de olhos percebe-se a ousadia do poeta e ele vai mais longe: a maioria das palavras registradas em seu soneto não constam em qualquer dicionário da língua portuguesa. Na melhor das hipóteses, creio que esse trabalho tinha um caráter de gozação.
Finalmente, um exemplo ilustre, o poeta Carlos Drummond de Andrade dando total liberdade a sua imaginação em “A Paixão Medida”:

Trocaica te amei, com ternura dáctila e gesto espondeu.
Teus iambos aos meus com força entrelacei.
Em dia alcmânico, o instinto ropálico rompeu, leonino, a porta pentrâmetra.
Gemido trilongo entre breve murmúrios.
E que mais, e que mais, no crepúsculo ecóico,
senão a quebrada lembrança da latina, de grega, inumerável delícia?

Neste caso, Drummond usou vocábulos talvez nunca registrados até hoje na poesia, mas que existem, existem, de fato.
Pois é, meu amigo, Horácio tinha razão quando se referiu a essa mágica arte poética que admite tais excentricidades.
Forte abraço.
Inté.
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Essa carta contém uma opinião extremamente pessoal e assim deve ser encarada e nada mais, além disso.


RSérgio

 
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