Poemas : 

As sandálias do pecador

 
vem d’azul diferente o meu divino
pecador sem perdão nem penitência
urgente ardor a dor que toca o sino
valor de mão dada com consciência
e manietada sem anuência
peça de corte com mais valor diz
o pecador eu já sou permanência
ajoelha e chora comigo a giz
dores faltas jarras sem flor-de-lis
e os sinos tocam p’ra chamar o povo
os pés nos chinelos vão p’ra matriz
e regressam iguais nenhum vem novo

o azul do pecador é borboleta
e segue-me amando: eu, seu cometa










I got that feeling
That bad feeling that you don't know
(Massive Attack)

 
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Beatrix
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Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 02/09/2025 19:45  Atualizado: 02/09/2025 19:45
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 As sandálias do pecador p/ Beatrix
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Eis um poema de profunda espiritualidade.

Que se desengane quem pensa que os símbolos religiosos são um exclusivo dos crentes. Neste texto, eles habitam o espaço de um deus pecador que, como qualquer humano, ao som dos sinos, se junta a nós para se encontrar consigo próprio, com a sua "permanência", com o valor intrínseco da existência.

A comunidade dos rituais nada lhe diz. Numa passagem brilhante -- "e regressam iguais nenhum vem novo" -- fica tudo dito sobre os "fiéis", sobre os quais o milagre da transformação não se opera. Pelo contrário, o pecador sofre uma metamorfose e alcança a transcendência, como ar e como fogo (nos símbolos da borboleta e do cometa).

O acompanhamento musical acentua essa qualidade ca(n)dente do "eu", que reconhece na sua queda e no seu ardor o motivo para "seguir amando", numa referência subtil ao "vem e segue-me" de Cristo.

Sublime!

[Dar um título como o que tem o poema é recordar as palavras bíblicas que se referem aos sucessores de Pedro, mas também o melhor filme que já se fez (na minha opinião) sobre a eleição de um papa, prenunciando surpreendentemente os que, na realidade, lhe sucederam.]