Acho que nenhum dos meus leitores terá sabido
que fui incumbido de reorganizar a Biblioteca do Lar. 
Claro que para fazer um trabalho completo e coerente, dou uma curta "vista-de-olhos " por cada livro ou colecção que vou inserindo.
Foi com espanto que redescobri um texto que já lera noutros tempos, noutro lugar,e do qual já perdera a memória. Por isso, dada a actualidade do tema tratado, não resisto à tentação de transcrever alguns excertos de um artigo de Carlos Quevedo - "data venia- ,publicado numa "Antologia de Contos "-editada pela Portugal Telecom"
"...Eu (o Carlos Quevedo), 
conheço um caso emblemático. 
Um homem bem educado, 
com êxito no seu trabalho, 
sem disfunções sexuais particulares, 
limpo, com boas maneiras 
- come com a boca fechada, 
por exemplo-, simpático...
Enfim, um homem 
com os mínimos requisitos 
necessários para entrar em competição. 
No entanto, tem um problema grave: 
ressona como uma besta. 
Toda essa meiguice 
e encanto diurno 
vai pelo cano abaixo 
quando adormece. 
O coitado sofre muito. 
As namoradas, 
por muito amor que sintam, 
depois da terceira noite 
passada com ele abandonam-no. 
Com lágrimas nos olhos, 
é certo, mas sem piedade. 
O ressonar dele era e é, 
de facto aterrador. 
Não é regular ou rítmico, 
o que às vezes ajuda. 
Não começava no meio da noite, 
quando a "meia-laranja" 
já podia estar adormecida. 
Não. Era instantâneo, 
imediato. 
Por momentos 
parecia que ia morrer asfixiado. 
Pior: mais de uma namorada rezou 
para que ele morresse antes 
que fosse ela a assassiná-lo.
Nunca se curou. 
E, no entanto, casou-se. 
Encontrou uma senhora que, 
não sendo surda, 
não se importava: 
Era mais rápida que ele a adormecer 
e o sono dela era mais profundo 
que um filme de Manoel de Oliveira. 
Feliz, 
ele confidenciou-me 
que finalmente 
tinha encontrado alguém 
com quem se dava bem na cama. 
Não era bem isso 
o que ele queria dizer, 
mas eu compreendi. 
A ele dedico estas linhas."
                
José Mota