Rostos colados
  Atrás de uma janela,
  Onde o sol quando bate
  Mais os prende a ela!
  Ouvem-se vozes…
  O mundo do lado de fora
  Continua a trabalhar…
  Ele já não canta, nem chora!
  Ela... só fica a olhar!
  Mãos gastas já sem garra
  Que pouco conseguem pegar
  “Mãos descarnadas, plangentes
  Frementes e impacientes
  Mãos desoladas e sombrias
  Desgraçadas, doentias!”
  Abandonadas às suas sortes
  E dois corações, 
  Cada vez menos fortes!
  Uma história bem singela:
  Bairro antigo, uma viela!
  Um velhote resmungão…
  A família interesseira
  Que fez dele um ser rude,
  Nunca achou maneira,
  Sabe-se lá por que razão
  De lhe dar a saudação,
  Ou perguntar pela saúde!
  O filho que muito amavam
  Viam-no caminhar ao longe
  Quando do emprego voltava…
  E oh que tristeza aquela!
  Saber a que horas passava
  E nunca o olhar voltava
  Na direcção da janela!
 E as mulheres do lugar
 Andavam a comentar
 Todas em segredinhos
 O emprego que o filho tinha
 Era passar cocaína !!! 
Pela janela 
Do rés-do-chão
Naquela noite entrava a lua…
E de repente
Lá bem ao fim da viela
Há um vulto...Há um ai !
Ela quase nada vê…
É o pai quem observa
Mas logo cai e se verga
Vitimado por um “a v c”!
 
…    …   … 
“Mas um dia,
        Mas um dia santo Deus, ele não veio
Ela espera olhando a Lua, meu Deus
        Que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca a sombra dele”
Procurou como doida
  E ao voltar da esquina
  Viu o filho prostrado
  Por se ter injectado
  Com overdose de heroína
  
   E a raiva chegou como lume
“Queimou, o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio
Labareda atear, 
A fogueira a aumentar
        Foi a visão infernal
A imagem do mal 
Que no bairro surgiu”
 
   Foi o filho que gerou,
  Que gerou e pariu!
 
  Corre em vertigens num grito
  Direita ao maldito 
  Que a droga ao filho vendeu…
 “ Puxa a navalha, 
  Canalha!
  Não há quem te valha! 
  Tu tens de morrer!
  Há alarido na viela
  Que mulher aquela!!!”
  E porque a razão é sua
  Cai um corpo sangrando
  Nas pedras da rua!
                
José Mota
        
                Se Aníbal Nazaré e Nelson de Barros
reescrevessem nos dias de hoje o 
FADO FALADO, 
por certo que não andariam muito longe disto:    
