Poemas : 

Meditação

 

Hoje escreve-se mal, talvez porque se escreva de tudo e de nada e disso nada se diga. Talvez porque se escreva à pressa sem se pensar, maduramente, naquilo que se escreve, na ânsia de se mostrar.
Furtamo-nos aos grandes temas que nos obrigam a uma meditação mais séria e mais profunda, e enveredamos por aqueles que nos são quotidianos e repetitivos, mas banais. E, de repetitivos e banais, cansam. Insistentemente falamos deles e, porque batemos sempre na mesma tecla, corremos o risco de a desafinar e de ferir os tímpanos dos mais exigentes ouvintes.
Há escritores fabricados como há os geniais iludidos. São aqueles escritores que nunca serão coisa nenhuma. São como a música “pimba” que, de tão corriqueira e oca que é, não passa do próximo verão. Mas vende, enquanto é, ainda que o lucro recheie apenas as algibeiras da editora.
Uns e outros ficam felizes porque criam algo de seu. O escritor, o livro; o editor, a ganância sem escrúpulos.
Mas o irónico da questão é que estes escritores fabricados até sobem na vida… talvez porque tenham uma carita bonita ou uma madeixa loira a emoldurar-lhe o rosto. Chegam depressa a “Directores de qualquer coisa”, que o mesmo é dizer, de uma revista qualquer que possua meia dúzia de fotografias de famosas, a quem, mesmo mal vestidas, meteram naquela cabeça sem cérebro que estão na última moda.
Mas a moda é isso mesmo. É o diferente do normal que nem precisa ser bom. Basta ser diferente para dar nas vistas. Então, tendo a demonstração feita, temos a prova tirada. E aceite, porque o que interessa é estar na moda, na moda que lhe impingem. Que nos impingem. A moda dos maus escritores; dos escritores fabricados. Como a moda dos maus artistas; como a moda dos maus pintores; como a moda dos maus políticos…
Ah!... mas eu propus-me falar dos maus escritores, dos escritores fabricados, daqueles que, porque são maus, são publicados por editores que nem têm tempo para os ler a fim de decidirem se o produto tem ou não tem qualidade. Aqui, a qualidade que importa é que ele, o tal escritor fabricado, tem o ou esteve no tal programa das audiências, ainda que mal vestido e mal barbeado, a falar de nada, mas alucina as massas. Funciona como o “ópio do povo”.
O que importa é vender mesmo sabendo que vai ser vendido a quem não sabe o que compra, porque também não lê. E, se o tal programa vende, vamos publicá-lo como escritor. Porque, fazendo rir, mesmo que com riso forçado, aqueles que até têm pouca vontade de rir, ou gerando conflitos que espicacem a curiosidade do povo para que se faça esquecer dos impostos, vai vender com certeza. Se prende ao ecrã os tais milhares de espectadores, dê-se-lhe uma caneta e um bloco e diga-se-lhe: “escreve, que eu publico. Tu vendes!” Apenas não se lhe diz: “Do produto que venderes eu, editor, arrecado 90%” e “do total dos livros publicados, 50% ficam a meio caminho entre os escaparates e os armazéns das livrarias” à espera de vez, no rito da devolução ao editor, que os encaminhará, mais tarde, para as prateleiras dos supermercados das grandes áreas comerciais, onde serão vendidos com grande desconto sobre o preço do editor.
Às vezes, até, ao preço da uva mijona.
E para ali fica aquela literatura de cordel em que as histórias que se contam não contêm histórias nenhumas, misturadas com caixas do “lava mais branco” e fortes odores a “queijo da serra” ou do “chouriço caseiro com tempero de vinho tinto”.
Triste sina lhe estava reservada, a essa literatura proveniente dos escritores de encomenda e de ocasião. E que dor me dá ver os “Pessoas”, os “Saramagos” ou os “Lobos Antunes” em repouso com aquela literatura “enlatada” à mistura com pneus e champôs de toda a gama…
Bem… será uma questão de Markting e Gestão… É que ali sempre há-de haver alguém que compre um “livrito”, daqueles que trazem na capa o retrato do seu autor, para oferecer em dia de aniversário mesmo sabendo-se, à partida, que o aniversariante detesta ler. Até a boa escrita, que não conhece (!...), quanto mais a má do apresentador do programa tal, só porque nos entra pela casa dentro a toda a hora e, como marca de prestígio, se decidiu lançar no mercado.
Não será marca de prestígio mas poeira que se lança aos olhos de quem ainda vê!
Às vezes fico terrivelmente magoado com o mau português que leio nas crónicas, quase diárias, que vejo por aí, ao desbarato, principalmente nas revistas cor-de-rosa que se acotovelam nas bancas dos vendedores de jornais à procura dum lugar ao sol. E comparo o conteúdo dessas crónicas, desenquadradas de qualquer contexto, feitas de frases curtas para fugir ao rigor da pontuação e à falta do saber pontuar, às fotografias das “divas tias” que fazem a capa desses tablóides. Da tez ao princípio do pescoço, a pele é fina, esticada e luzidia; daí para baixo, a flacidez e rugas escondem-se, envergonhadas, sob as sedas finas, que a idade não perdoa.
E estabeleço a seguinte equação: as frases curtas, para evitar a pontuação que se não sabe fazer, estão para a pele esticada e luzidia, milagre do cirurgião, assim como a flacidez e rugas escondidas sob as sedas estão para o desenquadramento das frases no contexto. E depois de decompor os denominadores em factores primos, concluo que ambos têm o mesmo denominador comum: são génios iludidos.
Será tudo isto uma questão de Markting?

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Publicado no Jornal Balaio de Notícias


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AlvaroGiesta
 
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