Crónicas : 

DAS ENTRANHAS DE UM PENEDO

 

DAS ENTRANHAS DE UM PENEDO

Há dias subi com um grupo de colegas a montanha da Penha. Na minha idade é já um atrevimento mas, deslumbramento que é sempre para os olhos não destituídos do poder de mergulharem no belo das coisas criadas a encherem a ampulheta da nossa sensibilidade, valeu a pena.
Mas o que mexeu comigo – e não tinha que mexer porque até é espectáculo comezinho – foi uma belíssima casa que se nos deparou a meio da encosta, nos limites da área autorizada para construção. Por instantes ficamos por ali parados num quase êxtase ante a arquitectura da mansão de um qualquer novo-rico que nem se sabe quem é. Só que, o que mexeu comigo nem foi a “espectaculosa” mansão e digo comigo porque cada qual sabe o que vai dentro de si e de facto não ouvi comentários que extrapolassem a dita mansão. É que o que mexeu comigo foi um puro e simples penedo ao qual inteligentemente se encostava uma das faces do prédio. E mexeu tanto comigo que os instantes de êxtase do grupo os consumi inteiramente na observação do penedo – um penedo igual a uma infinidade de outros que enxameiam a incomparável Penha. Ao fim e ao cabo este penedo teve sorte. De certo graças à vistosa mansão que nele se apoiava a minha atenção poisou e deteve-se nele. Enquanto o encantamento do grupo durou eu mergulhei quanto pude nas entranhas e interstícios daquele penedo. Fui até onde a imaginação me levou, chegando a ver nele emanações de lava a falarem-me do tempo, um tempo sem medida que antecederia de longe o aparecimento do homem. O que ficou a martelar-me na cabeça foi o sentido do tempo e a imagem que me acompanhou durante algum tempo foi a de que aquele não era um simples penedo mas deveras um monumento como tantos que caprichosamente recobrem esta montanha única.
Só mais duas palavras a este propósito: no terreiro da casa entretinha-se com uma bola um rapaz dos seus dez anos mas de aspecto lúcido. Quando retomávamos a senda montanhosa eu chamo o rapaz e pergunto-lhe numa atitude de despedida: - sabes quem pôs ali aquele penedo? – o meu pai diz que ele está ali desde que foi o Big-Bang. Só o que não sei ainda é quem fez explodir o Big-Bang!

Antonius

 
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luciusantonius
 
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