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MANCHA HUMANA

 


Decorria o ano de 1803.
Tropas britânicas atacavam
Dezenas de aldeias africanas.
Na tarde quente
O silêncio era rasgado
Pelos gritos dilacerantes de criaturas
Cuja vida era ceifada
Num golpe cruel e inesperado.
O Sol torrava
Centenas de corpos inanimados
Espalhados em tropel
Pela savana africana.
Em ritual lento e uniforme
O batuque soava
Incessante
Anunciando o luto que pairava
Sobre o continente negro.
Homens, mulheres e crianças
Fugiam, corriam espavoridos
Embrenhavam-se
Na densa floresta virgem
Derrubando-se na ânsia desmedida
De escapar à morte.

Que o Monstro arrancado
Dos Sóis que hão-de vir
Seja o perfil de Satanás
Revestido da cor do Luto

Aldeias e tribos inteiras
A serem chacinadas
Enquanto ali, aos teus pés
Jorrava o sangue ainda quente
De uma jovem negra
Atrozmente mutilada.
E mais sangue negro corria veloz
Por toda a estepe angolana.
Vindos de todas as direcções
Doíam-te os gritos
Os passos confusos
E o choro de crianças
Invocando o nome de Mãe
Já morta,
Com a tenra voz
Impregnada de angústia.

Caíste, então, de joelhos
Choraste lágrimas de impotência
Ergueste os braços
E gritaste:
- Só peço uma única razão!
Como resposta
Pressentiste a morte espalhar-se
Cada vez mais
Nada havia a fazer contra a fúria solta
Das Bestas Humanas!
Era o Medo! Era o Luto! Era a Fome!
Era, tão-somente, a requintada calamidade da guerra.
Suplicando misericórdia ao deus da tua religião
Bamboleaste o teu enorme corpo suado
Ao ritmo do antigo ritual da feitiçaria.
Esta é a última imagem que me resta de ti, meu irmão
O resultado psicológico por tal façanha
Contrária à moral e às leis da Natureza Humana
Firmou-se numa impressão violenta
De desgosto e repulsão
Que tu e eu jamais esqueceremos!
E, por aí, num canto homicida do Planeta
A besta continua a declamar:

Que eu seja país de moléstia
Morte, doença nefasta
Onde não cresce a giesta
Nem o terror se afasta.

Lutemos, Senhor!


Manuela Fonseca







Manuela Fonseca
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Manuela Fonseca
 
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