CINCO DÚVIDAS INÚTEIS

meu caro nitoviana,

acho que você tem razão. essas minhas dúvidas são mesmo existenciais.

abraço,

j.

meu caro amigo,

eu entendo mesmo de bar. nunca tive a menor curiosidade em conhecer seul. pular do viaduto, jamais - até porque tenho pavor de altura. só de pensar me tremo todo. além do mais, minha namorada jamais vestiria luto - embarcaria para o litoral no dia seguinte.

abração e obrigado pela leitura.

j.

maria joão,

sou um inútil de carteirinha. um profissional da inutilidade. diria que sou um talento fracassado, principalmente agora com esse pé fodido.

beijo,

j.

alexandra,

com este meu pé, não há como não ser inútil. ou me sentir como tal. como respondi à maria joão, sou um talento fracassado.

beijo,

j.

define útil.logo te responderei sobre o "talento fracassado".

ainda bem que não escreves com o pé.
beijo

e nem com as mãos eu escrevo, alexandra. vou=lhe contar um episódio famoso, ocorrido há décadas no rio de janeiro. o jornalista, cronista e compositor antônio maria, um homenzarrão, bom de briga e boêmio, ao sair de uma casa noturna, certa madrugada, viu um rapaz da sociedade agredir a uma mulher. ficou indignado. e escreveu em sua coluna uma crônica esculhambando o rapaz. passado um tempo, o rapaz e sua turminha encontraram antonio maria saindo da boate. maria era forte, mas eram cinco contra um e todos praticantes de artes marciais. o ofendido virou-se e disse: "nós vamos esmagar suas mãos, para você aprender a não difamar os outros." maria apanhou heroicamente, não sem antes dizer: "como vocês são idiotas. pensam que os jornalistas escrevem com as mãos."

beijo,

j.

se um jornalista não escreve com as mãos,agora imagina um poeta...nem com as mãos,nem com os pés...

beijinho

de bar, mathilde, eu entendo. e bastante. vou até repetir uns versos do poema Os Lados, de paulo mendes campos: "Há um em mim que está sempre no bar,/Bebendo sem parar/Há um lado em mim que já morreu:/Às vezes penso se este lado não sou eu." o exercício de ser inútil, conheço bem. sou um talento que não deu certo. resumindo: deus me deu o talento, mas o diabo foi mais esperto e me deu o fracasso em dose dupla,

beijo,

j.

arfemo, amigo,

falando sério: no brasil, um homem com 50 anos é considerado inútil. por mais competência que tenha, não lhe dão trabalho e os mais novos o chamam de tio ou tiozinho, o que é pior. como já tenho cinquenta e mais três, já estou no estaleiro. já me dão - quando dão - até lugar no ônibus (autocarro). bem não é sempre: muitos jovens aqui fingem que estão dormindo, para não levantar, mas eu já nem ligo.

abração, amigo.

j.

...crê então amigo júlio que a civilização da globalização chegou só aí? neste portugalzinho (que muito amo, acrescento, para os mais patriotas...) essa idade até baixou, e vemos, uma nova mendicidade: a da mediocridade...

endireita teu pé...

abração, amigo
arlindo

é engraçado, amigo arlindo, não estou advogando em causa própria. mas sempre partilhei da opinião de que um escritor só deve publicar depois dos quarenta anos. porque aí já tem, acredito, um senso para não cometer tanta besteira. tenho muito medo de talentos precoces. mas aí alguém me perguntará: mas e rimbaud? sim, rimbaud publicou aos dezesseis anos. mas a franqueza me permite dizer: nunca gostei da poesia dele. pode parecer pretensioso de minha parte. mas Uma Temporada no Inferno é um diário de adolescente. creio que a maior dignidade de rimbaud foi ter abandonado a poesia tão logo passou a dedicar-se ao tráfico de negros. e vou mais longe: padres (não sou religioso), médicos e jornalistas só ficam bons também depois dos quarenta. padres porque já sabem enganar melhor, assim como jornalistas têm mais traquejo para mentir. e médicos são mais responsáveis e não saem às ruas de branco, dizendo que são médicos. a poesia, penso, é uma arte que não leva desaforo: um poema ou é bom ou é ruim, ao contrário da prosa que pode oscilar entre bons e maus momentos. poesia é arte ingrata. não sei se vinícius de moraes exagerou, mas dizia numa canção "não há poeta sem sofrer."

abraço

amigo domingos,

essas navegações têm me custado caro = meu pé que o diga e o bolso, que nunca foi dos melhores, também. mas, sabe como é: temos um ditado aqui que diz - "quem é do mar não enjoa." substituo mar por bar, é só uma letrinha. mas há um ditado, mais sábio: "em rio que tem piranha, jacaré nada de costas." não sei se por aí há piranhas: é um peixe carnívoro que não pode ver sangue, que ataca. mas também é usado como gíria de puta: "aquela mulher é uma piranha." não sei vocês aí conhecem a expressão boi de piranha. explico: quando uma boiada vai atravessar um rio que tem piranhas, levam à frente um boi doente, para que elas se divirtam com ele, enquanto o resto da boiada passa.

abraço,

j.

Caro Júlio,

piranhas, piranhas mesmo, aqui não há. Há aquelas a que se refere, mas em sentido figurado, e creio que o significado que damos ao termo, não é só o dessa gíria atribuida à praticante da chamada profissão mais antiga do mundo; o significado é mais amplo e pode estender-se a outro tipo de mulheres e até de homens (como sanguessugas, ou vampiros).
A propósito do primeiro significado, acabo de publicar o meu Cântico Nu.

Espero que esse pé esteja melhor.

Abraço,

DM

o bagaço é ótimo. eu conheci o legítimo na casa do meu avô português. mas aqui custa muito caro - o de boa qualidade. então vamos de cachaça mesmo.

abração,

j.