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CARTAS DE MALQUERER II (REVISTO)

 

Já nada me admira! A chuva cai porque o céu está infestado de nuvens o sol brilha porque a retina capta as emissóes de luz como um espelho as flores despontam porque a raiz prende-se à terra e dela colhe a seiva o mar continua a ocupar um espaço maior e a mostrar a mesma insensibilidade glaciar que sempre o caracterizou – tu terminaste a relação com o mesmo à-vontade com que nela exististe.
Há muito que o ansiavas... Li-o nos olhos traídos pelos gestos de afecto e carinho que as tuas mãos excitadas faziam. Convenci-me de que chegara o fim e como um condenado se apresta para a execução demonstrava a mesma sórdida alegria que um pai exibe no funeral do filho. Enlutei a alma de cardos vesti-me de urtigas e como bom samaritano ainda estendi a mão trémula e insegura para te apoiar. Precisavas de um motivo... Dei-to. Foi fácil encontrá-lo no alforge da tua imensa estupidez. Quando as tuas mãos abertas me apertaram contra ti não sentiste os cacos do meu coração rasgado lançar um grito aflito e uma lágrima escorregar pelo rosto como a insígnia de uma angústia incontrolável? Voltei-me e frente a frente senti Judas beijar-me antes da forca ter proclamado o desfecho da traição.
Foste claro como é claro que a noite é escura quando me disseste que as coisas ficariam assim... Que coisas? Que haveria que ficasse como dizias? Se já limpara o gume do punhal para ceifar a nova lágrima caída na antecipação do vazio que me guardava num poço de máculas com que outra arma me feriria? Se te referias à combustão dos gases que projectam lavas de paixão sobre nos e um rasto de canteiros e projectos se sucedia como consequência da felicidade diz-me como suspender a actividade do vulcão? Que quantidade de água seria suficiente para sarar a ferida causada pelo teu olhar profundo mas indiferente? Esforço-me por entender todos os motivos vão que me estropiam a mente como o grito desesperado das almas condenadas lançado num infernal fosso sem misericórdia.
Concordo que tentes o acto desesperado de apoiares a outra relação traída pelo meu direito de te amar como o peixe suspenso na cana do pescador reclama esgrimindo no ar o direito ao sal. Claro que entendo amor! Habituado que foste às solas doss que te vergavam de ultrajes e apontavam caminhos sem nexo como se a tua vida fosse um labirinto e a única saída umas asas de cera na rota do sol tornou-se imperceptível o braço estendido que valorizava a essência de um interior repleto de raios de estrelas e que animava o âmago de ti mesmo como um dinâmo. Oh... como compreendo!
À beira do mar do sofrimento espero como um eremita o maremoto que inundará a cidade desta estúpida dependência de te ter a meu lado e numa caridosa oração lançada ao abismo imploro à angustia o naufrágio do aperto que me corta a respiração numa ilha esquecida dos mapas. Como piloto da nau do silêncio procuro um cais abandonado numa estrnha terra deserta e aí acampar sobre o teu nome numa tenda de passado. Sim... Saudades de ti! Saudades sem dor. A vida ensinou-me que é impossível sofrer pelo que já sofri e que não existem intervalos na mágoa. Por isso quando me perguntaste o que sentia pela cratera onde as tuas rudes palavras me projectavam respondi que um sismo não era uma flor. Um traz consigo a fúria da devastação e do pavor; o outro um sorriso de fascinação e o prenúncio da primavera. Quando te sorri quis acreditar que as estruturas da minha devoção estavam firmes e que a coragem embandeirada no bico de uma cegonha como troféu eram força suficiente paqra te dizer vai... fico bem... A comédia que encenámos foi tão comovente que acreditámos no bem estar provocado pela despedida e até rimos de tudo o que não era para rir com a mesma alegria com que um faminto gargalha quando ouve numa tv de montra que os países ricos destroem o alimento que o mata de escassez! Vai... fico bem.
Há dois dias que oiço o som da tua voz... O telemóvel que dorme comigo à cabeceira confidencia-me que não ligaste. Ainda bem. Enquanto escalava os Alpes aguçados de frio disse que nunca o faria. Vendo bem para que quero ouvir o trinar da tua voz? Ah... já me lembro! Disse que te amava. Não interessa... O amor é ave de arribação que nidifica nos desatentos e inebria os incrédulos. Não tem expressão... É uma ave! Estou bem... Talvez desfile nas festas popuçares quando os casais assumirem o calor das fogueiras como seu e fizerem promessas de sentimentos que apenas uma Arruanda de bondade poderá sublimar nas intenções do Povo que a habita. Com eles dançarei sobre todas as fogueiras acesas nas escadarias de pedra da alegria e festejarei à minha maneira esta forma de estar só ciente da tua partida consciente de que nunca mais voltarás e de me recusar a esperar por ti. Porque voltarias? A fruta com o pasar do tempo perde qualidade e sabor. Os beijos que exultavam a sensualidade na minha pele e como um perfeito bisturi ma abriam à paixão transformaqr-se-iam na meticulosa teia de uma viúva negra onde não passarias do breve macho que amaria pela última vez a insensível fêmea. Não! Não preciso dos teus beijos. Além disso qualquer um beija mais e melhor que tu. Se o rouxinos na tua voz esgrimia serenatas aos meus ouvidos ávidos de ti quantos não se assemelham a belos cisnes? Quem precisa ouvir a tua voz...?
Há dois dias que sinto o vibrar manso e quente do teu corpo junto ao meu... Leio no rascunho das longas noites insones quando os braços nos envolviam num sereno aperto de desejos elevado aos píncaros do tesão e mostravam a corola vermelha do pólen depois de abertas as pétalas ao espanto e um manso rio corria pelas ferventes veias até desaguar na foz da entrega a jovialidade de todos os sentimentos descritos num tratado de psicologia para além da quimica que nos unia e hoje nos repele. Adorei! Conclusão fatal dos apontamentos retidos no consciente. Na fusão molecular dos nossos sentidos um mesmo céu riscava de vida as petanas cerradas depois de terem guardado o infinito numa caixinha de íris e ensejos. Dentro do teu peito bátegas de ansiedade vibravam como cristais em movimento por mim e múltiplos segredos lançava-os aos quatro ventos na esperança de ver o eco repercutido numa rosa-dos-ventos feito à medida do querer. Agora que me encontro mergulhado na piscina de um iceberg num sistema solar de distâncias e dores concluo com alguma decência que todos os corpos primam pela mesma temperatura pois é o garante e o sustentáculo da vida. Como não és diferente de nenhum outro ser e partilhas a mesma afinidade fisiológica com todos os mortais sou levado a crer pelos rituais anatómicos do homem em evolução que deverá ser fácil encontrr quem substitua o pólo glaciar do tempo que nos separa por uma batida cardíaca excitante e profícua. Irei experimentar. Mais do que isso é ser fruído pela expectativa da viagem astral dentro dos limites ilimitados do desejo e ao invés de procurar na lágrima de ti o calor que aos poucos esfria é ter a graça de ser possuído por uma energia em ebulição que me arrebata a carne e enlouqueça a mente. Não poderei usufruir das tuas mãos ásperas no veludo da minha pele quando conquistavam e dominavam os nervos mas a quimica do tacto é apenas sugestão mental por isso basta imaginar um jardim para acreditar que todas as flores têm o mesmo aroma difundido pela universalidade dos diferengtes odores. Outras mãos farão mais e melhor. O corpo...? Tantos existem como o teu...! Todos têm leito caudal e foz. O mesmo sal os doseia o mesmo fogo os sustenta. São apenas diferentes...
Há dois dias que inalo o teu perfume... Aprendi nos constantes banhos de multidão que cada um tem o seu odor. Deduzi que seria difícil encontrar alguém com o teu. O mediano pêndulo das necessidades quando um álibi de sombras inscreve na vida novos valores esclarece a facilidade com que nos habituamos a novos odores. Somos animais de hábitos! Talvez a graça fresida nessa qualidade natural. Repara amor... um novo aroma equivale sempre a um novo ser. Depois de analisar a foto que guardava dentro da carteira da paixão um incrível medo de te confundir embrulhou de pruridos a língua que afagava os teus lábios e aspirava a tua pele. É impossível... Não confundirei. O teu bálsamo flagelador extinguir-se-á como um incendio quando não tem por onde queimar e a combustão é interrompida pela hostilidade da água. Descobrirei noutro ser o romance que desvendei no nosso paraíso recolhidos sobre a macieira do Éden quando tu representavas o papel de Adão e eu a Eva que estendia o braço e te oferecia a maçã. Sou um vulcão como disseste sobre os auspícios das nossas luas. Um vulcão meu amor não se extingue com a pedrinha de gelo que gransportas num frapé de plástico aquecido pelas mãos. Serás eternamente a gotícula húmida a encharcar o passado que quis fosse o futuro e que hoje não passa de uma sexta-feira santa à mercê de pregos e lanças.
Há dois dias que sinto a falta do teu sexo... Entre um delírio e outro amarroto a roupa interior que outrora deixávamos espalhada pelo chão quando o tempo de nos possuírmos escasseqva na avidez de sermos uma unidade e nos entregávamos como duas aves ao abandono do desejo. Se cerro as pálpebras um imenso álbum de recortes detalha cada pormenor dos movimentos descoordenados e incompreensíveis com que debatiamos o amor sobre os lençois com o fanatismo próprio das causas indefensáveis. Viajámos na proa dos navios que ainda hoje buscam ilhas encantadas nos mares quinhentistas seguros de encontrarem uma Dulcineia exposta na janela de um coqueiro e assim evidenciarem a heroicidade obtida num combate de vento onde a minha entrega representava a matéria do saque. A fantasiosa orla bordada a algodão do paraíso que construímos para nós era inacessível à maior parte dos abismados que apenas encontram no medo da aventura a justificação para a incapacidade de viverem o deleitoso prazer e atribuem à demência a qualidade da competência de amar. São sentimentos que o tempo depurará até que reste apenas a essência de algo tão grandioso e disponível como manancial eterno do transcendente vício de nos termos. Também é uma questão de tempo. Qualquer um pode fruir deste sereno ribeiro que procura em cada veia uma tatuagem de compreensão e protecção. O sexo é uma aula de contabilidade. O eqilibrio manifesta-se na relação directa entre o que se dá e recebe. Sobressai do balanço que ninguém ousa fazer o fervilhar da paixão na panela do fulgor quando o sangue explode no artifício de um fogo provocado pelo exigirmos tudo um do outro. Além disso um pénis é somente um instgrumento de prazer à mercê da imaginação. Se penso nele como um raio de sol e a excitação profana a carne logo me transformo num esvoaçar planado sobre serras e mares. A filigrana de seda de tudo quanto no sexo nos atrai quando o poderoso íman confunde as carnes sedentas de nós pode revestir com as mesmas cores agresivas e sensuais qualquer um. A intensidade com que possuías provinha do przer que te proporcionava. O resto meu bem foi um espectáculo de marionetas num palco de papel. É fácil concluir que todos os motivos que exacerbavam o teu desejo por mim serão aqueles que servirão para elevar ao mesmo oásis qualquer alma liberta das teias impostas por ignaras sabedorias e que no mais profundo de si retenha o desejo de um cavalo alado num céu infindo. Quantos já não remeteram a escrvatura do preconceito para a miséria dos infelizes e se soltaram pelas cidades apinhadas de amor?
Tivesses a noção das minhas palavras...!? Soubesses em que portal do mundo me encontro...!? Talvez fosse mais fácil falar de um nós que esmoreceu como o ocaso se repte dia após dia numa sequência constante e temporal. Considero que o terrível Ivan da minha fantasia te possa hoje povoar de recordações nubladas pelos meus abraços ou pelos meus segredos ditados ao ouvido tão promíscuos quanto eu. São esses pequenos momentos que me transportam à tua insónia e sem que possas pronunciar o meu nome nem soletrar o meu desejo a insígnia da ventura tatua o sorriso com o brilho do olhar faminto de apreciar a compleição maravilhosa do corpo que foi o teu. Poderás negar os beijos que grocámos ao raiar da aurora naquela praia que os contece numa pira de bronze incendiada pelos nossos corações? Ou o sexo que atirámos às ondas na macia pura e leviana areia como duas partes de uma mesma concha que ao abrir-se soltava a gema lúcida de uma pérola viva? O passado revive todas as fantadias e são elas que projectam a minha silhueta nas noites revoltas quando a cama não te dá sossego nem a noite te acalma. Gravaste o meu rosto num rochedo de alucinadas maravilhas e até que o vento passe e limpe as arestas perfeitas desse desenho ainda muitas penas irão esvoaçar sobre as nuvens escuras onde também derramo as minhas sulfurosas penas vazias de sentido.
Livre como a liberdade quando o limite é o universo quero-me disponível para amar como foi predito por Afrodite na alcova de palha onde me embalaram nas noites de verão. Livre ainda que não saiba que fazer com tamanha liberdade! Não permitas que est ansiedade pássaro apavore o sonambulismo dos teus teores pois escrevi nos novos e velhos muros da cidade o requiem dum romance em forma de parábola cómica para que todos os que os cruzem o leiam e riam como me rio agora. Uma comédia que se repete paixão após paixão no acutilante desespero de quem nada tem a esperar. A nossa é só mais uma. Vamos rir dela...! Porque não? Rir é saudável! Façamos de conta que vivemos num circo onde eu represento o papel de palhaço e tu a criança despreocupada sentada num banco de madeira frente ao palco. Talvez seja isso mesmo... Diversão. Porque não? Um palhaço também é gente! Tem sentimentos caprichos dores... como eu! Nesta extenuante guerra de vencidos aprendi a ser feliz porque od loucos são felizes. Quem sabe não serei louco? Mas isso sempre o fui... Que acrescentaste à minha loucura?
Nada mais tenho a dizer... Quando a saudade vier direi que se enganou na morada. Veio à minha procura mas eu moro para lá dos prados e dos desertos onde apenas os insatisfeitos fazem moradia. Mentiria se omitisse que algumas vezes dentro do peito uma réstia perdida de esperança me brame que virás como tudo o que vem porque nunca partiu. O rosto deixa transparecer uma espécie de satisfação ou vitória semelhante aos audazes guerreiros quando bramem uma bandeira branca e no cimo do pontiagudo estndarte uma pomba estrangulada. Fico animado quando a expectativa da sorte futura se aninha na felicidade e a esperança permite que dê mais um salto no abismo seja ele qual for onde posso voar com os pássaros acima das nuvens e descubro no telheiro de uma casa o ninho que me está destnado.
Amor... Até nunca mais!


antóniocasado
14 Abril 2009
incluído no projecto "Escrito ao Luar"


 
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antóniocasado
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 19/12/2009 00:49  Atualizado: 19/12/2009 00:49
 Re: CARTAS DE MALQUERER II
UM desabafo em carta de desilusão!

Nunca digas ! Até nunca mais"... Outro amor fará esquecer este... o tempo dar-te-á a resposta.

Bj


Enviado por Tópico
cleo
Publicado: 19/12/2009 01:58  Atualizado: 19/12/2009 01:58
Usuário desde: 02/03/2007
Localidade: Queluz
Mensagens: 3731
 Re: CARTAS DE MALQUERER II
Este sim, é um texto profundo!
A vida ensina-nos coisas que só ela consegue entender...

Esta carta está belíssima, embora me pareça que não vá ser lida como merece(o tamanho é a sua maior inimiga). Está repleta de sentimentos explicados em belíssimas passagens poéticas.

Gostei imenso de ter sabido do caminho que me trouxe até aqui.


Enviado por Tópico
De Moura
Publicado: 19/12/2009 15:57  Atualizado: 19/12/2009 15:57
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Localidade: USA / NJ
Mensagens: 751
 Re: CARTAS DE MALQUERER II
António meu amigo, esta carta é longa e triste mas linda.Incutiste nela uma poesia-prosa deslumbrante, que se lê magnificamente bem sem parar, apesar da sua longitude.
Acho que foi uma das minhas preferidas deste teu futuro livro "Escrito ao Luar."

Recebe mais uma vez a minha estrela de luz, com carinho e amor em forma de beijo.
Tem um Feliz dia de Natal

Cina