Poemas -> Reflexão : 

a minha morte

 




à minha morte pessoas sérias
dela expulsas ou
nela tragadas
de modo a longe morrer
caminhando com suas misérias
estarão rezando e talvez imaginando
o quão idiota fui
por ser um poliglota
mal-pago, sem nenhuma nota
que pagasse ou musicasse
a minha bêbada
afirmação da Vida.

essa ansiedade que sinto
que a todos perturba durante a vida
enfio nos cus do labirinto
intestinal dos deuses:
um novo nematelminto
a perturbar as entranhas
cheias de aranhas
dos ditadores do sentido
universal, imutável, sagrado e sem ouvido



a minha morte momento glorioso
glória de um mendigo
Úmero Antônio Cardoso, Rodrigo?
vanglória de um importante
tendo por revestimento o mais áureo jazigo
e por preenchimento: de esterco uma jazida
mina de bosta pura
riqueza irônica que levou-me à sepultura
glória de um salafrário
vanglória de um negro
sem salário
minha morte-alforria
como um monte de dejetos
caindo para fora da bacia

a minha morte doença do asfalto
acidente do câncer
“a causa da morte, Maria,
foram várias,
porque ele morria sempre
a cada dia”

a minha morte dor pura
como dói e como é bom
doer
sem o que
minha alma escura
não poderá produzir um som



a minha morte caro doutor
por enquanto é pura dor
nela não cabem sentimentos
nem cabe um pensamento
porque é dor em que cabe
não sei se você sabe
só o horror

a minha morte eu sendo humano
e justamente por ser tão dor
exige uma química muito rígida
para poder fazer em mim uma flor

para fazer em mim
que sou bosta
um jasmim

esta flor que hoje ilustra os calendários
mal sabem quanto custa
em salários
alimentar minha carne, minha pança
de cuja podridão ou pústula
emanam líquidos e adubos
para alimentar as flores e as crianças
e servir à estética dos adultos

a minha morte fede bonito
nos narizes do mito



a minha morte enquanto eu grito
ninguém me ouve
aqui no açougue
da escuridão :
este teto parafusado
ao convés deste absurdo navio
do tamanho de meu corpo frio

em verdade tenho abusado
do ouvido surdo
que apanho e é um copo

e agora aprisiona-me este teto
na mudez nua
ou nudez crua
da morte ou enterro

tenho a glória de um mendigo
que falou muitas bobagens
camufladas no abrigo das reticências
publicadas sob a forma
de mensagens-demências



a minha morte é um copo de cerveja :
bebem esta urina os deuses
porque deles eu como a bosta
que à goela se me enseja
com o sabor e horror das metáforas

A minha morte é uma metáfora
para que não morram assim
os que vêm depois de mim...
À minha morte encontrarei um anjo
carcomido pelos vermes que esbanjo...
Fardinesca pestilência
é um anjo de delinquência
a usurpar meu nome da anáfora.

minha vida, minha história
“eu”! : glória e vanglória
vaidade e memória:
da História das Civilizações
a mais pura escória!


Úmero Card'Osso



Úmero Card'Osso

 
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