Poemas : 

A CAIXA

 

Não sabia há quanto tempo estava ali fechada. Tinha perdido a noção , a ausência de luz natural misturava-lhe os dias e as noites numa sequência incerta. Comia o alimento que lhe baixavam do tecto através de um alçapão por onde passava um cabo metálico, fazia as necessidades numa divisória própria, um quadrado a um canto onde havia duche e sanita. Mais nada. Já tinha percorrido toda a área ao seu alcance, exaustivamente, à procura de uma fresta, uma frincha, um buraco por pequeno que fosse que lhe permitisse perceber, ver para o exterior, chamar, qualquer coisa que quebrasse o isolamento. Nada. Nada, excepto o frio liso do metal. Um contentor? Uma caixa? Uma cave adaptada para o efeito? Um sótão? As perguntas esbarravam nas paredes iguais ao tecto e ao chão e retornavam com um acento de pânico e de desespero. O ar era renovado por um ventilador que zumbia, sem parar, por cima da sanita mas não conseguia lá chegar. Estava demasiado alto para a sua pequena estatura. Trepou, uma vez, num frenesim de animal, pelo cabo que lhe depositava a caixa com comida no chão, mas arrependeu-se logo. Num ápice, a mão enluvada de branco que controlava o alçapão negro, largou o cabo e a queda foi dolorosa. O recipiente com o invariável puré esverdeado entornou-se e a comida ficou espalhada pelo chão. Foi mesmo daí que a ingeriu. Lambeu tudo quando a fome se tornou insuportável. Passou-se muito tempo até o alçapão ser aberto de novo pela mão omnipotente que controlava este pequeno mundo. A caixa. Foi o que lhe chamou durante os primeiros tempos. Depois passou a chamar-lhe mesmo sem querer, o caixão. Dormia no chão quando tinha sono, uns sonos profundos e povoados por imagens indefenidas, sem cheiros nem cores. Quando sonhava com os pais e com o bebé que tinha nascido pouco tempo antes da sua clausura, chorava até a cabeça quase rebentar de dor, impiedosamente, ou os olhos lhe arderem da secura salgada das lágrimas. Queria morrer mas não sabia como fazer para o conseguir. Tinha sempre sede e sono. A mão atirava-lhe uma pequena quantidade de água turva numa garrafa de plástico, de vez em quando. Ao princípio, evitava beber daquilo mas acabou por se habituar ao sabor madicamentoso e aprendeu a mitigar a sede com pequenos golos para que o líquido durasse o máximo possível. Cresceu um pouco e emagreceu muito. Não tinha forças nem para enrolar o longo cabelo liso num carrapito e foi-o deixando estar, numa liberdade de que só ele usufruía. Roeu as unhas todas dos pés e das mãos. A voz foi-se-lhe alterando até ser irreconhecível mesmo para si própria. Nesse momento, calou-se e não falou mais.


Incipit...

 
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Vilians3
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