Sonetos : 

VÁRIOS SONETOS

 
91

Em intranqüilos passos noite afora
O medo de sonhar, o gosto amargo
E quando a solidão; enfim embargo
O mundo noutra fonte me devora,
Meu sonho caminhando sempre ao largo
Do cais aonde a dita em paz ancora,
O risco de viver já desarvora
O passo no vazio jamais eu largo
E sei do quanto posso ou mesmo cri
O verso mais atroz remete a ti
Ausente dos meus dias, esperança;
O canto em agonia, a voz lamenta
O resto se desenha em tez sangrenta
E aos poucos meu caminho ao nada avança.


92

O coração qual fosse uma falena
Vagando sem destino em noite escura,
E quando algum luar, além procura
Apenas o vazio concatena
E a morte a cada passo mais acena
Vencido pelos tons desta amargura
Somente o que me resta e me tortura
Certeza desta noite dura e plena.
O vasto caminhar por vida leda
O nada que deveras me conceda
Somente um longo estio em plantação
Nesta aridez profusa, a vida passa,
O canto sem sentido toma a praça
Procuro qualquer luz. Escuridão...

93


Crianças do passado, viva festa,
Apenas mera sombra e nada mais,
Os dias entre tantos, marginais
A sorte não conhece qualquer fresta
O medo de sonhar agora atesta
Os rumos entre noites infernais,
E tento novos dias, mas iguais
Somente a morte então é o que me resta.
Jogado nalgum canto desta sala,
O corpo ainda tenta enquanto exala
Um ar sombrio e vago, mal respira.
A luz que inda viesse na verdade
A cada novo tom mais se degrade
Transparecendo ao fim erro e mentira.


94

Um prisioneiro apenas do que tento
E vejo sem saída, acorrentado
Aos ermos que inda trago do passado
Colhendo tão somente o sofrimento,
E quando do vazio me alimento
Encontro em teu olhar o duro enfado
No tanto que buscara, resguardado
Somente a solidão dita o provento,
Além do quanto pude acreditar
A morte ronda e toma devagar
O espaço que julgara da fortuna,
Porquanto a cada ausência mais desuna
Destinos tão diversos, meu e teu,
Meu canto sem um eco se perdeu...

95

No grão fatal da dura hipocrisia
Semente dos vazios deste inverno,
O amor que tanto quis e ainda externo
Aos poucos noutro tanto morreria,
A senda abençoada não traria
Senão este caminho torpe e eterno,
E quando imaginara bem mais terno
O rumo pouco a pouco perderia,
Cerzindo dentro em mim tal abandono,
A cada novo não mais desabono
O sonho de um momento mais feliz,
Porquanto sendo assim, mera figura
Ausência de esperança já perdura
Negando cada passo que mais quis.


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Cantara no passado em tom suave
Tentando adivinhar algum momento
Aonde na verdade o pensamento
Pudesse superar qualquer entrave,
Mas quando a realidade mais agrave
O passo que deveras teimo e tento,
Dos ermos do meu sonho, um vão detento
Quem dera a libertária e mágica ave.
O riso desdenhoso desta dita
A vida na verdade necessita
De um algum caminho em paz, amor ou sonho.
Mas quando me percebo neste espelho
O velho caminheiro; enquanto engelho
Percebo o meu final, torpe e medonho.

97


Soltar a minha voz, belas campinas
Aonde no passado pude crer
No amor onde vivesse ao bel prazer
E quando vejo as cenas cristalinas
Deveras dura ausência determinas
Matando pouco a pouco o que eu quis ser
A vida a cada passo esvanecer
Secando da esperança fontes, minas.
Os restos perambulam noite afora,
E o medo de viver tanto apavora
E traça outro medonho olhar em mim,
Mortalha se tecendo a cada dia
A noite em tom amargo e tão sombria
Meu tempo se aproxima do seu fim…


98


Aonde acreditara em claridade
Rincões de uma esperança há tanto morta
Agora se percebe a dura porta
E nela nem a luz ainda invade,
O risco de viver, a ansiedade
O quanto do vazio me comporta,
Somente a morte chega e já conforta
Quem tanto se perdera em falsidade.
Os tempos emolduram no meu rosto
Os ermos entre rugas onde exposto
O corte da ilusão marcando fundo,
E quando nalgum canto do meu ser
A réstia abençoada do prazer,
Miragem que em verdade e em vão confundo.


99


Um campo de verbenas, lírios, rosas
Floradas que jamais eu conheci,
O tanto que sonhara e nunca vi
Manhãs entre diversas, olorosas.
As sortes são deveras caprichosas
E tudo o quanto quis resumo em ti,
O rumo sem sentido, já perdi
E as sendas são decerto pedregosas.
Arcar com erros tantos, isto eu posso,
Não nego minha culpa neste fato,
E quando na verdade me retrato
Tentando acreditar somente nosso
O vago que inda tenho em ledo vão
Apenas ermos dias, solidão...

100

Perdido em tal desdita, nada tenho
Senão as velhas marcas entranhadas,
As noites entre medos embaladas
O medo me domina, ora ferrenho.
O risco de sonhar adentra o cenho
E doma sem sentir as madrugadas,
Porém ao perceber quão desoladas
Estradas onde o tempo eu não retenho,
Esboço a luz ausente em pensamento
E quando algum clarão ainda tento
A falsa sensação de lua em mim,
Resgates de outros tempos? Quem me dera.
A vida sempre fora a tola espera
Por mais que em paz cevasse este jardim...
MARCOS LOURES
 
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MARCOSLOURES
 
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Enviado por Tópico
varenka
Publicado: 16/07/2010 22:32  Atualizado: 16/07/2010 22:32
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Mensagens: 4210
 Re: VÁRIOS SONETOS
Tu és fantástico no soneto.
Goatei de todos.

Parabéns!

Varenka