Poemas : 

Um Quarto de Hotel

 
[... a você, que não sonha os meus sonhos]

É para onde me leva essa misantropia
que me ataca com mais intensidade
a cada dia que passa. Confesso já:
é falsa essa necessidade de fugir dos outros
— eu sei, até me canso de tanto saber!

No meu pequeno quarto há uma janela tão alta
que eu posso tocar os últimos ramos
[de uma árvore frondosa.

Ao lado da cama há um criado — mudo, é óbvio! —,
com tampo de mármore traventino escuro,
floreios esculpidos na escura madeira de lei,
e duas gavetas de madeira avermelhada.
Sobre o criado, num prato de louça desbeiçado,
há uma moringa de barro, um copo de alumínio,
e ao lado do prato, um frasco de dipirona.

Ao pé da cama, um porta-chapéus com cabides torneados,
Enseja-me o uso do chapéu de abas retas,
Aquele, que eu nunca quis ter;
Ali, naquele porta-chapéus de madeira escura,
Eu penduro a minha capa de gabardine bege.

No lugar onde estaria a outra cama,
[Era só o que me faltava — outra cama em meu refúgio!],
Há uma mesa comprida para os meus livros, os papéis,
E o computador, esse remanescente
Do mundo que me devorou!
A ausência do telefone é a minha garantia contra
A tentação de eu falar ou o perigo
De "ser falado" por alguém!

Deste quarto, ainda que praguejando,
Eu saio apenas para atender as cotidianidades.
Vez por outra, quando me ataca aquela inevitável
Porém, inefável, necessidade de estar perto de alguém,
Protegido por um caderno e uma caneta,
Eu desço as escadas e atravesso a rua.
Levo no rosto a compunção de uma dor sem nome,
E certo de que o mundo não merece essa minha dor,
Sento-me, calmamente, à mesa de um bar
Para me expor à habitual indiferença dos fregueses.

A presença deles, varada pelo meu olhar,
Apenas me remete às vicissitudes humanas.
Eu tenho sede suficiente para uma cerveja [ou até três],
Como sempre, espicho os olhos para a mesa ao lado,
E sinto vontade de comer a comida que estão comendo,
Em vez daquela que acabo de pedir.

A cerveja arregla um pouco da minha agitação...
Há tempo... tempo para o meu olhar desejante
demorar-se no contorno dos lábios carnudos
da bela mulher sentada no outro canto do bar.
Admiro a beleza da sua mão que segura o copo,
e até imagino o toque daqueles dedos delicados
enovelando-se nas ondas dos meus cabelos.

Neste instante [ah, esses dedos em meus cabelos...],
a leve brisa que agita as toalhas das mesas,
sopra-me no rosto uma álgida vontade de ficar ali,
sem nada fazer, sem nada dizer, apenas
placidamente a escrever os meus delírios...
E a sonhar... sonhar com ela... minha, enfim!

Um aroma de uma fragrância esquisita [só pode ser dela!],
Suavíssima mescla de almíscar e antiga madeira,
Evoca em minha mente a intimidade de uma alcova,
e me desperta um desejo tão louco [mal me contenho]
de ter em meus braços aquela mulher
[Agora, ela tem os lábios molhados da cerveja],
E de fazer amor aos gritos que só eu e ela escutaríamos.
Ah! Se ela sonhasse os meus sonhos...

Mas a tarde começa a se esvair em escuridão,
as luzes da rua se acendem no compasso da agonia.
Já acalmei meus delírios; bebo o último copo de cerveja
pondero que já tive mais do que mereço do dia.
É hora de voltar para o meu quartinho...

Faço ranger a madeira dos degraus da escada,
Entro, acendo o abajur, abro a janela,
E afasto as cortinas brancas;
Olho o bar do outro lado da rua —
Ela está lá ainda!
Abro o peito, escavo no ar aquele aroma,
Mas a brisa é minha inimiga!

Sorvo a penumbra do quarto
mesclada à noite cai sobre a rua silenciosa,
e penso... penso nela em meus braços...
Sento-me e desfolho o meu vazio
Em poemas para serem colocados
Em garrafas que atirarei ao oceano da vida,
Sem destino — assim como eu!

[Penas do Desterro, 25 de janeiro de 1999]

 
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crstopa
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/11/2010 12:53  Atualizado: 28/11/2010 12:53
 Re: Um Quarto de Hotel
O meu aplauso.

Abraço