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O Mato!

 
 
Andersom morava com os seus pais e uma irmã em um apartamento de cobertura num edifício de doze andares no centro da capital federal, de lá só saia para ir à escola onde cursava o “primário” em seu último ano; quando pedia para passear os seus pais liberavam para ele a televisão e ele ficava a ver desenhos horas a fio. Só conseguia escapar da clausura do apartamento quando saia de férias, sempre nas praias do estado do Espírito Santo, terra de seus falecidos avós, para lá indo de avião e ficando à beira mar em uma casa alugada.
Nos seus nove anos vividos só conhecia algo alheio aos seus precários e iniciais conhecimentos através da televisão e dos anuais passeios de férias onde só via areia e mar.
A maior parte do dia extra-escolar ficava sozinho, confinado no apartamento, em razão dos seus pais serem funcionários da câmara dos deputados e a sua irmã dar aulas de matemática numa escola distante.
Os únicos colegas que tinha por ali eram vizinhos do mesmo andar do edifício, todavia, todos, no seu entender, “chatos e exibidos” o que colocava Anderson afastado deles, principalmente, quando se referiam a rios, matos e praças públicas, pois, não tendo usufruído nada daquilo, se sentia como um “fora do ninho” ou “ignorante”, dessa forma, foi se afastando deles optando por ver desenhos, tudo isso, sem que os seus pais e irmã dessem pelo fato dele estar muito sozinho e até desiludido, em comparação com o que via na televisão, ouvia dos jovens vizinhos e a sua realidade de “só no meio da multidão!”.
Numa tarde, três ladrões invadiram o seu apartamento e o do lado, pegaram dinheiro, jóias e Anderson junto com os seus dois colegas “chatos” de nomes Mateus e Mauro, ambos com onze anos de idade, igualmente, filhos de um funcionário da câmara.
Os três meninos foram colocados no banco traseiro de um automóvel que, em velocidade alucinante, saiu da capital para os lados de Minas Gerais, segundo Anderson ouvira comentários feitos pelos ladrões e, agora, seqüestradores.
Mauro e Mateus choram aos berros até receberem tapas no rosto desferidas por um dos bandidos que, estranhando, perguntou a Fernando a razão de ele estar rindo, recebendo a resposta:
—Até que enfim! Estou conhecendo outros locais!
—É bom vocês permanecerem calados! Vou levá-los para o mato e pedir dinheiro aos seus pais.
—Para isso não precisa me matar! Redargüiu Anderson.
—Quem falou que vamos matar vocês? Perguntou o motorista.
—O seu colega! Ele disse que irá nos levar e... Matar!
—Eu disse que iríamos levá-los para o mato e não matar!
—E não é a mesma coisa? Indagou.
Os três meliantes riram ao notar que Anderson não sabia o que era “mato” e, quando explicaram a ele o que era, ele, prontamente, responde-lhes:
—Vocês estão querendo me iludir, o que vocês me explicaram ser mato, na verdade, é floresta, eu sei por ter visto na televisão, num dos desenhos.
Forçados a tal, todos ficaram calados, inclusive os seqüestradores.
Após alguns minutos, entraram numa estrada vicinal e pararam à porta de um casebre de apenas dois cômodos, um deles sem janelas, ao que, os bandidos disseram a Anderson ser ali uma floresta para evitar dialogar com o menino que, a tudo observava desde a saída do seu apartamento e demonstrando uma felicidade total em desacordo com os outros garotos que, contendo-se, com medo estampado nos rostos, “choravam para dentro”.
Os meninos foram amarrados a duas camas no cômodo sem janelas, com o chefe dos seqüestradores atendendo a um pedido de Anderson para ser amarrado, a sós, numa das camas. Depois de amarrá-los, ele pegou um celular e ligou para os pais das crianças dizendo-lhes para ficarem calados em razão de, no dia seguinte, novamente telefonar para eles estipulando o valor do resgate, também os ameaçando de que, se a polícia fosse acionada ou o celular rastreado, eles matariam as crianças e desapareceriam no mato, ou floresta.
Durante a noite, ouvindo o ressonar dos garotos e roucos no outro quarto ocupado pelos bandidos, Anderson conseguiu soltar os parafusos da cabeceira da cama, para tal, em silêncio, colocando os pés no chão os passando entre os varais do estrado, ao final, conseguiu soltar a cabeceira da cama e levantou-se alegre, embora amarrado e sentindo-se um “cavalheiro com uma armadura”, de pé-antepé, passou pela porta divisória e pegou o celular do chefe dos bandidos, colocado numa cadeira perto da porta ultrapassada, voltou ao quarto com náuseas pelo cheiro etílico que invadia o quarto dos bandidos, calmamente, conseguiu ligar para os seus pais contando ao seu genitor, em sussurros enquanto os bandidos roncavam.
Como estivera observando todo o itinerário percorrido pelo automóvel dos seqüestradores, com riquezas de detalhes passou-o para o pai, dizendo, ao final, que iria colocar a cabeceira da cama em seu lugar presa aos varais e dormir amarrado como estava e, assim o fez, após cortar a ligação e colocar o celular na mesma cadeira de onde o surrupiara. O pai de Anderson entendeu tudo e até ouviu os roucos dos marginais
Exatamente três horas depois, Anderson foi acordado por um barulho de portas sendo quebradas e gritos de “fiquem quietos! É a polícia!”.
Sem nenhum disparo de arma de fogo os bandidos foram presos e os meninos libertados, com Anderson caindo nos braços do pai que, na retaguarda, acompanhara a polícia na diligência.

(aa.) Sebastião Antônio BARACHO
conanbaracho@uol.com.br
Fone: (31)03846-6567
CORONEL FABRICIANO-MG.

 
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S.A.Baracho
 
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