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Concern - Um sinal de dó no meio da dor

 
Capítulo Dois – O Manico

(…)

Depois de solicitar quinze dias fora das suas funções na TAAG, onde possuía um cargo de chefia, Manico partiu para Malanje. Levou na bagagem uma missão, reconquistar seu amor, que havia se fartado da convivência marital, devido aos maus-tratos. Os anos se passaram, e ali ficou, a missão não acabou, e em Luanda muitos sonhos ficaram. O amor por reaver transformou-se em capítulos como: “entre tapas e beijos, é ódio é desejo”.

- Esse chichi de cavalo que você costuma a beber vai te matar um dia. Seu desgraçado! Porquê não voltas para a tua família, ficas aqui a me empatar a vida? Vai, vai… eu quero fazer a minha penitência.

Protestava minha mãe sempre que seu marido entrasse bêbado em casa, arrastando as mãos sobre as paredes procurando o caminho para o leito, onde ficava por uns minutos. E quando esperássemos que ele se deixasse levar pelo sono, meu pai nos surpreendia, levantava com pretexto de fome. No fim da refeição, a jeito de sobremesa, batia na sua mulher. Como toda criança faz quando vê o pai a bater a sua mãe, entre o choro e bater para apartar, nós optávamos por chorar pelos cantos da casa, com medo de que a fúria se voltasse para o nosso lado.

Meu pai é filho de um soldado do ultra-mar e de uma africana de Angola. Meu velho combatera contra as forças coloniais portuguesas. - Lutei para a libertação deste país. Disse ele muitas vezes. O ex combatente formou-se em electrónica, e tem conhecimentos técnicos em medicina. Por esses motivos ele é minha meia referência, sobretudo pela sua capacidade criativa e pela sua inteligência intelectual. Há vezes que eu falo com os meus amigos sobre a admiração que tenho por ele. Uso a futurologia ainda hoje, para antever quem fora ele encarnado no que ele é. Quando vejo-o, vejo um homem que tinha tudo para dar certo. Ora, entregue no álcool? Isso me entristece. Hoje meu pai ganha a vida acertando vida de rádios e televisores avariados. E sua vida? Essa vai, com os anos, como um campo no tempo, ora verde ora seco. A tentar se concertar com bebidas alcoólicas.

Era uma vez, e foi somente aquela vez. Meu pai chegou bêbado como era de costume. Mas, não estava muito bêbado como de costume. Minha mãe estava a terminar o jantar. A cozinha lembrava o modelo rústico de cozinha, a diferença era que a lenha era posta no fogareiro. E o fumo que fazia, perfumava-nos todos.

Meu pai aproximou-se e tirou do bolço um lenço, nos pôs em ordem como quando os militares ficam na parada, para ouvirem o chefe ordenar a missão do dia.

- Filhos, o momento é de alegria. Vamos brincar?

Com ironia, enganou-se ele, dizendo. E nós fizemos a cara do espanto. Mas, estávamos alegre e motivados. Ele não era de sentar ou brincar connosco, excepto no natal quando nos pedisse para trazermos tronco de oliveira para fazer o presépio. Meu pai fazia belos presépios. A manjedoura em que o menino de Belém deitava, ele fazia com capim seco e, as personagens do natal e o resto do cenário, eram de cartolina. Nessa altura, meu pai também não se importava fazer o cozido para a ceia. Diferente do normal, a nossa ceia era sempre ao meio-dia. Nessas alturas ficava de bons modos, mas, não fazia brincadeira connosco.

Como eu dizia, naquele dia abriu a excepção, era a oportunidade que tínhamos para brincar com a nossa paternidade, não tínhamos o luxo de desperdiçar o momento.

A brincadeira estabelecia-se no seguinte:

- Esse lenço vai se chamar ganso. Certo? E aquele que receber o ganso, vai ter que rir bem alto e entregar ao outro.

No instante exemplificou. Vocês vão falar assim, disse ele:

- «ah! ah! ah! toma o ganso»

Assim, falei quando chegou a minha vez. Sucessiva e ordenadamente, falamos a frase e caíamos na gargalhada, até mudar de diversão. Depois de crescido, descobri que no português brasileiro, ganso pode significar bebedeira. O que me levaria a pensar. Será que meu pai pretendia nos preparar para lhe suceder do seu vício? Porém, uma coisa devo confessar, naquele dia nos divertimos bastante. E sem dúvidas aquele momento ficou marcado na minha vida.

(…)


 
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Mauango
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