Crónicas : 

Um desabafo só...

 
"Logo que nasci a vida mostrou-me o significado do que é ser negado.
Negou-me a capacidade de sorrir com a boca e tive de aprender a sorrir com os olhos, com as palavras e sobretudo com os gestos.
Passaram vinte e três anos e acho que já tive tempo mais que suficiente para me habituar a isso. Mas o facto é que está no nosso subconsciente aquela capacidade extremamente irritante de duvidar de tudo o que fazemos e de como as coisas são, o facto é que às vezes ao cair na cama demoro mais tempo a adormecer que os restantes. Não por insónias, não por qualquer tipo de dor, mas simplesmente porque não consigo desvendar o porquê de assim ser.
Quero, puder sorrir com os lábios, e chorar com os mesmos, ter a capacidade de mostrar ao mundo que se calhar posso ser como eles…
Mas a maior dúvida que guardo apenas para os meus dias mais sombrios é:
- Será que quero realmente ser como eles?
Será que preciso realmente disso para me sentir melhor comigo mesmo?
“Oh and twisted thoughts that spin ‘round my head”
Se há dias em que a minha mente e a minha alma estão de acordo, não se manifestam.
E cá dentro, onde mais ninguém consegue penetrar, às vezes nem mesmo eu, tudo continua sombrio, frio, quiçá gelado e não há calor que o derreta.
Não sei o que lhe fazer, nem se há algo que se possa fazer de facto.
É frustrante chegar a certos pontos e achares que descobriste a resposta a uma das perguntas, e de súbito, tu, subconscientemente, sem que nada o faça prever, a mudes.
De forma ainda subtil, mas que faz com que a resposta que pensaste ter, passe a ser apenas, nada. Palavras soltas, frases escritas. Pensamentos sem nexo.
Mas ainda assim, ainda cá estou e se isso acontece, por alguma razão é.

O sol continua a nascer,
A lua a crescer.
Mesmo sem as entender,
Há coisas que às quais temos de ceder.
Quanto mais não seja,
Para não darmos em loucos."

Dito isto, saiu porta fora. E aquele velho consultório nunca mais teve notícias dele, ou de qualquer parte de si. Embora me confesse que às vezes sente falta daquela escuridão tão confortável.

César Ferreira.

 
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