Luso-Poemas
 
Crónicas : 

Homem do Saco

 
Tags:  infância    louco    lenda urbana    homem do saco  
 
Open in new window


Homem do Saco
by Betha Mendonça

Andarilho das ruas, roupas esfarrapadas, saco de serapilheira na mão, onde carregava todos os bens materiais que tinha na vida, o Louco convivia pacífico com adultos e crianças.

Junto com o Homem do Saco - a quem nossas mães acusavam de carregar para longe as crianças desobedientes e que saiam de casa sem permissão dos pais - ele fazia parte do folclore da rua na minha meninice.

A diferença entre eles era que o Homem do Saco nem um de nós nunca viu e o Louco não roubava ninguém. Ele sentava na beira da calçada, conversava e gesticulava como se tivesse ao seu lado um atento interlocutor. Falava mais de quarto de hora, tirava da sacola uma garrafa de pinga, oferecia ao ouvinte. Quando cansava, pegava um papelão grosso das suas coisas, desenrolava, fazia uma cama e dormia.

Sua presença não incomodava a vizinhança que lhe oferecia refeições. No cair da noite ele ia embora e só voltava no dia seguinte. Ele fazia parte da rua e do bairro.

Mas, a infância é curiosa e logo nos reunimos e começamos a falar do homem. Por que ele vivia por ali sozinho?Não tinha família? Como ficou louco?Teria nascido assim ou bateu com a cabeça e ensandeceu? Ah, enchemos mais de uma resma de perguntas sobre o Louco!Concluímos:

- Temos que chegar ao Louco e obter respostas!
- Mas, mamãe diz que não devo falar com
estranhos... Disse um de nós.
- Acontece que o Louco não é estranho: a gente já o conhece há anos! Retrucou outro.
- Isso mesmo! Ele não pode ser considerado estranho!Concordou a maioria.
- Péra!Ele tem um saco! E se ele for o Homem do Saco?Interrompeu Zezinho.
- Anta!Se ele fosse o Homem do Saco já teria levado todos nós... A gente vive fugindo de casa pra brincar sem pedir pra mamãe... Lembrou sua irmã.
- É... Concordou o menino vermelho de vergonha.
Concluídos os “trabalhos” fomos até nosso entrevistado. Ele falava exaltado sobre um incêndio. Zezinho puxou o assunto:

- Boa tarde, seu... Seu...Seu...Como é mesmo seu nome?
O homem incrédulo que nós estivéssemos falando com ele, olhou para os lados, apontou para seu peito e perguntou:
-Vocês tão falando comigo?
- Estamos! Respondi diante do silêncio de meus amigos.
- Por quê?
- Por que queremos saber do senhor. Qual seu nome, da sua família, como veio parar aqui e por que conversa sozinho...
- Meu nome é Ninguém, eu tive família: pais, mulher, filhos... O tempo levou todos eles de mim... Fui engenheiro. Perdi o gosto e fé no trabalho e nas pessoas. Converso com as minhas lembranças e com o dia de amanhã que vai ser igual ao hoje. Venho aqui todos os dias por que as pessoas me dão de comer e até hoje não me incomodaram com perguntas. Vocês deviam ir brincar e cuidar das suas vidas!Recolheu seus pertences, foi embora e nunca mais voltou.

Até hoje, adulto, o “anta” do Zezinho acha que ele era o Homem do Saco disfarçado de Louco.



Poema & Cia

 
Autor
Betha Mendonça
Autor
Textos deste autorMais textos
Rss do autorRss do autor
EstatísticasEstatísticas
 
Texto
Data
Leituras
4454
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
Enviar este texto a um amigoEnviar
Imprimir este textoImprimir
Salvar este texto como PDFCriar um pdf
8 pontos
8
0
0
Recentes
Carta de Amor Número 12
Aman(a) /Chuva
Arco-íris
Alma de Palhas
Santo de Avatar (sonetilho)
Aleatórios
Arco-íris
Diga Não à Corrupção!
De...
Meu Pai é Dez!
Bem-te-vis e Sanhaços
Favoritos
Dedico-te (À Betha Costa)
bastou um abril... para encher o cantil de sede
Bloody Mary
Ablação
Te Amar e Não Te Ter
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 08/08/2013 17:02  Atualizado: 08/08/2013 17:02
 Re: Homem do Saco
Betha, como essa vida é engraçada. Na minha também existiu um homem do saco, que minha mãe
especialista em nos aterrorizar para nos proteger. Pintava em cores negras um maltrapilho e silencioso mendigo do local.
Mergulhei no passado lendo seu texto, a diferença é que o meu homem do saco, infelizmente
era mudo e nunca conseguimos, eu e os amigos de infância, saber se ele era realmente o
homem do saco.
Bons tempos, quanta saudade!


Enviado por Tópico
velhopescador
Publicado: 08/08/2013 17:21  Atualizado: 08/08/2013 17:21
Colaborador
Usuário desde: 01/03/2013
Localidade: Marília-SP Brasil
Mensagens: 1092
 Re: Homem do Saco
Olá, amiga Betha

Na minha infância também houve a história do homem do saco, e alguns andarilhos que passavam, por vezes se demorando no lugar. O máximo que acontecia era sumir alguma roupa, alguma galinha, o que ficasse muito fácil.
O mundo deu voltas, eu cresci, e, um dia cheguei a ser um deles, por pouco tempo, felizmente, mas isso é uma outra história.

Abraço
><>


Enviado por Tópico
Migueljaco
Publicado: 08/08/2013 18:40  Atualizado: 08/08/2013 18:40
Colaborador
Usuário desde: 23/06/2011
Localidade: Taubaté SP
Mensagens: 10200
 Re: Homem do Saco
Boa tarde Betha, todos conhecemos alguém deste quilate em nossa infância, e para todos nos um tanto aterrorizante, diante do medo que os adultos nos apregoavam em relação a estes ditos "doidos", Parabéns pela sua excelente crônica, um grande abraço, MJ.


Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 09/08/2013 17:59  Atualizado: 09/08/2013 17:59
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: Homem do Saco
Betha
Achei tão engraçado! Em minha rua existe um mendigo chamado Juarez que carrega um grande saco e Manuella(minha filha)morre de medo! Sorri muito! Beijos!
Janna

Links patrocinados

Páginas em

Páginas sobre