Contos : 

A Mão Direita do Diabo Parte 11

 
A cidade de Limn parecia querer escapar da Terra por um momento. Solta na imensidão do espaço, presa por correntes que oscilavam levemente como ondas num mar de dia calmo. Era uma das coisas mais lindas que Orfeo já vira, e como ele já havia visto coisas lindas... Mas Limn descansava sobre cadeias de rochas e montanhas, em cidadelas, palácios e castelos de cristais, que refratavam e refletiam aquela luz característica vinda do espaço profundo, e atrás dela o sol e a lua davam-se as mãos, e lá embaixo a Terra, banhada numa tênue névoa azul esmeralda.
A imensa mão da cordilheira atracou feito um navio, num grande ponto às margens daquela imensa estrutura, onde as nuvens poderiam ser o mar, e a cidade de Limn, a ilha. Orfeo “desembarcou”, como se fosse um marinheiro perdido há anos no mar, e que de repente chegasse à sua terra e encontrasse a sua família a esperá-lo em beijos e abraços reconfortantes. Orfeo contara a muitas pessoas sobre as suas aventuras e desventuras, e as descrevera magistralmente à quem quisesse ouvir, mas jamais falou sobre Limn. Faltaram-lhe palavras para descrevê-la.
Quem ou o quê vivia ali? Orfeo conhecia as lendas dos homens das nuvens, mas ali, agora, diante daquilo tudo, parecia que as lendas contadas os diminuíam, e por mais maravilhosos que as histórias tentassem retratá-los, elas não faziam justiça, sequer chegavam perto disso!
Mas lá estava Orfeo, por caminhos estranhos e por mãos estranhas, elevado até ali. Segundo Zack, apenas para apagar o fogo eterno que consumia um vale. Mas, por mais que valesse a pena salvar a vida de um pequeno cantão perdido entre as montanhas, Orfeo vivera e vira coisas grandes demais para serem resumidas apenas em missões esporádicas que poderiam ser realizadas por outros. Havia um propósito maior naquilo tudo, e Orfeo sentia-se uma parte importante disso agora. Pois nada acontece por acaso, nem mesmo o cair da folha de uma árvore. Quanto mais a alma de um homem perdida para o diabo. Orfeo pegou-se um pouco assustado, pensando que talvez já fosse o seu destino vender a sua alma naquele fatídico dia, naquela estranha esquina, dezena de bilhões de anos antes do sol existir, ou do próprio universo nascer. E pensando nisso, chorou, e não sabia se fora por suas confabulações, ou pela visão da cidade que cintilava nas margens do espaço, diante dos seus olhos, como uma concha de nácar flutuando nas costas o oceano. Ele já havia passado fome, e já tinha enfrentado criaturas e situações terríveis, e jamais havia chorado, até então. Às vezes, o coração de um homem é tocado de maneiras surpreendentes.
Tinha uma estrada que subia sempre, atravessando a densa floresta até às margens da cidade. Havia muito animais lá. Lagos e rios também, que despejavam as suas águas no vazio para se perderem e se misturarem às nuvens lá embaixo. Embora Linm se situasse bem acima da atmosfera, quase no espaço sideral, a luz do sol banhava-a com as graças do dia. E os seus habitantes conheciam as horas, e as noites, e também o pôr do sol, embora lá ele fosse especialmente indescritível, por razões óbvias.
A chegada de Orfeo não passou despercebida, pois que uma comitiva não tardou em vir recebê-lo. Era de fato os nubelares, os homens celestes que as lendas contavam, e que eram responsáveis pelas variações do clima. A sua aparência em nada lembrava os humanos lá de baixo, pois que eles possuíam algo como asas presas e enroladas atrás de suas costas, e a sua pele era azul água e brilhava em pulsos quando eles falavam.
Seriam eles anjos, ou demônios?


j

 
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London
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