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A Morte de Um Anjo

 
A Morte de Um Anjo


Nada pode ser tão terrível como a morte de uma criança. Ainda mais quando esta criança é acusada e condenada por um crime que não cometeu.
Todas as crianças da minha aldeia foram sacrificadas, acusadas de bruxaria. Eu não sei o que elas fizeram. Acho que não fizeram nada. Eu não acredito nisto, acho que é uma acusação injusta.
Muitos adultos também morreram. Perderam suas vidas em uma fogueira incandescente. Seres humanos sendo queimados vivos, como se fossem nada.
Meus dois bebês morreram, foram levados de casa para a prisão. Eu implorei para ir com eles. Mas não quiseram deixar.
Em sonho meu espírito foi até o lugar onde eles estavam. Acho que o meu desespero levou-me até eles. Vi meus filhos e outras muitas crianças acorrentadas em uma cela escura, um lugar que parecia uma caverna. O lugar era cheio de bichos, ratos, baratas, aranhas e outras coisas horríveis.
Eu vi Allegra Lillith se debater nas correntes tentando se libertar dos bichos, que subiam por seu corpo, andavam por seu cabelo. Em meu desespero eu tentei ajuda-la, mas não pude fazer nada, pois não tinha corpo.
Acho que ela também me viu. Só me lembro dela estendendo-me os bracinhos e gritando:
- Papai!Por favor, venha!
Acordei com seus gritos. Estava deitado em minha cama. Olhei para um
lado e para outro e não mais os vi.
Lembro-me de Constantino. Estava caído a um canto chorando baixinho. Seu corpinho frágil parecia sumir entre correntes enormes. Estava tão fraco, parecia estar morrendo. Ele abriu os olhinhos e sorriu para mim. Por um instante eu pude ouvir os seus pensamentos. Ele achou que eu houvesse ido buscá-lo. Depois deve ter pensado ter sido apenas um sonho.
Durante vários dias eu implorei para ficar preso no lugar de meus filhos. Se alguém deveria ser condenado, que fosse eu que sou adulto e tenho muitos pecados. Eles são apenas crianças.
Mas ninguém quis ouvir-me. Sequer me deram atenção.
Até que chegou o dia do julgamento.
Uma noite antes, novamente tive o mesmo sonho, acho que meu espírito foi até o lugar onde meus filhos estavam.
Nunca senti tanto ódio na vida. No lugar de meu coração parece que havia uma pedra. Sentia um peso enorme no peito, algo muito estranho.
Eu sabia que eles não seriam condenados, lógico que não. Seriam julgados inocentes de acusação tão absurda e no dia seguinte teria meus filhos novamente nos meus braços.
Fui andando na direção das crianças. Pareciam dormir, ninguém fazia um movimento sequer. Mas tive a impressão de ouvi-las chamando meu nome.
- Constantino, por favor...
Mas suas vozes eram abafadas, distantes, embora eles estivessem à minha frente. Ann Marie gesticulava e eu via sua boca se mexer. Ela tentava me contar algo, mas não sei por que, não pude ouvir o que ela dizia.
Avistei Lillith entre eles, is estender a mão para tocar sua cabecinha, eu tinha esperança que esta seria a última noite que ela passaria ali.
Neste momento ela se virou para mim. Na escuridão daquele lugar eu vi seus grandes olhos verdes olhando-me das trevas.
Mas ela tinha algo estranho no rosto. Como se um pedaço grande de pele tivesse sido arrancado do lado esquerdo de seu rosto, uma ferida enorme ia da boca até a orelha. Dava até para ver seus dentes. Por isto os animais estavam subindo nela. Um rato enorme estava comendo sua carne e a ferida aumentava cada vez mais. Ela agora não mais gritava. Só seus olhos me encaravam da escuridão.
- Lillith!

Acordei com meu próprio grito. Levantei-me para beber água. Sentia uma sede insuportável. Ela estava com sede, muita sede. Vi isso em seus olhos, embora ela não tenha falado nada. Nem precisava, pois minha alma sente.
Lá fora já apareciam os primeiros raios do dia. Sentia uma dormência estranha no corpo, por um momento, tive a impressão de sentir alguém me observando lá de fora. Alguém a me vigiar de um ponto da floresta, ao longe. Pensei ser só impressão e esqueci o caso.
E aquilo no rosto do meu bebê? Será que ela estava tão machucada assim? Não, isto deve ter sido só um sonho.
Mas fosse como fosse, tinha certeza que este seria o último dia de meus filhos naquela prisão. No máximo hoje à noite eles estariam comigo em minha casa.
Para sempre.

Eles morreram na noite seguinte. Catorze crianças foram enforcadas na praça da cidade. Incluindo meus dois bebês. Somente Ann Marie foi queimada, porque havia sido descoberto um baralho de cartas de tarô entre seus pertences. Tinha oito anos, e foi acusada de invocar espíritos das trevas usando aquele baralho.
Era isto que ela tentava me dizer, que era inocente...



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Lillith
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 18/03/2008 18:06  Atualizado: 18/03/2008 18:06
 Re: A Morte de Um Anjo
Olá, seu conto me passou uma sensação além, do que está descrito aqui. Prefiro não dizer. Um texto muito bem escrito e cheio de detalhes. Meus sinceros parabéns. bjs

Enviado por Tópico
ana alves
Publicado: 18/03/2008 18:25  Atualizado: 18/03/2008 18:25
Membro de honra
Usuário desde: 24/01/2008
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 Re: A Morte de Um Anjo
seu texto fez me chorar. sou mãe e acho que não existe dor maior k ver partir uma criança.bjs