Poemas : 

Em dia de cozer a broa

 
Em dia de cozer a broa
 
Não importava o dia. Tanto poderia ser Segunda como Terça-feira, ou até mesmo qualquer outro menos ao Domingo. Primeiro traziam a lenha, uma pinha ou duas e uns gravetos miudos para o lume pegar bem, depois umas ganhotas mais grossas a criar brasas e aquecer a divisão a que chamavam cozinha. Uma escuridão de degraus e ao cimo, a um canto, um fogãozito de dois bicos agarrado a uma mangueira castanha que desaparecia por detrás de uma cortina onde uma garrafa de gáz escondida. Uma mesa de madeira com uma só gaveta, Quatro bancos mochos sob o tampo e mais um ou dois baixitos compunham o mobiliário. Numa prateleira, o rádio a pilhas a entornar barulho numa rouquidão de fraquezas de antena. Ao lado do forno, a pilheira onde panelas de ferro resignadas em esperas de servidão. A massa na gamela tapada com panos, já quase lêveda e daí a nada a minha mãe com a sua à cabeça a subir a escuridão dos degraus, porque a casa sem electricidade e portanto, sem interruptor nem lâmpada. E ficavam ali mais um pouco a conversar das dores duma e da outra, a fazer tempo, e, nisto, o forno já quente o suficiente. De modo que, primeiro a da casa, está visto, e a escudela em estremeções de trapezista a elevar e a voltar a aparar um pedaço de massa redondo que mãos hábeis tornavam tão fácil tender enquanto a outra a levá-las ao forno uma a uma, a ajeitá-las lá bem no fundo de modo a caberem todas. As da minha mãe com um sinal em forma de umbigo para se não confundirem e depois a chatice das broas de uma na outra família(algumas outras, faziam-lhe uma cruz), mesmo sem diferenças no paladar. Nós por ali aos pulos, entretidos a brincar a qualquer coisa enquanto elas a conversar entre uma e outra tendidela, num vai e vem de pá ao forno. No fim, um restito de massa a dar forma a uma esmagada de sardinha e outra de chouriça deitadas ali mesmo, ao pé da porta, visto que estas a cozerem-se mais depressa. Algum tempo depois, eis que era tempo de abrir a porta ao forno e observar se a broa já estava cozida. E elas tão lindas e já crescidas lá dentro, "escarapiadinhas" que até dava gosto de ver... E o cheirinho a encher a casa toda e a deixar-nos de água na boca e uma fome repentina!

Cleo


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

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cleo
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