Textos : 

A soleira da porta

 
A soleira da porta
 
Do outro lado do tempo, há rostos que não se apagam a viverem em sítios nossos, que, para nós, permanecem intocáveis.
Se fecharmos os olhos, conseguimos vê-los a sorrirem-nos enquanto por eles passamos ao sabor das imagens que nos vão surgindo da cassete onde os guardámos. Porque presos a memórais a inundarem-nos os lugares onde sempre estavam, de momentos imortais a segurarem-se ao tempo que conseguimos manter em suspenso, como este que agora me aflora ao pensamento. E de repente, ali está ela, sentada naquela soleira, a ajeitar o lenço que lhe descaíra da cabeça, enquanto descansa do molho de mato que ali a trouxera...
Apalpa a travessa que lhe segura o carrapito e penteia os cabelos da frente que se esgueiraram antes de voltar a pôr o lenço como deve ser.
São instantes imorríveis, a vaguearem ao sabor do pensamento e revividos vezes e vezes sem conta. Mas que, por precaução e para que continuem vivos enquanto nós também vivermos, o melhor é deitá-los ao papel em palavras antes que o tempo resolva apagá-los.

Cleo


Foto -
Duas irmãs(algures ali entre a segunda metade dos anos 40 e a primeira dos anos 50), uma delas com o seu bebé ao colo (chamava-se Vítor - já falecido também), num tempo muito anterior ao das minhas lembranças, mas cuja soleira da porta a servir de palco a ambos os instantes, tanto o da foto como o que descrevi no texto. 🙃😍


*... vivo na renovação dos sentidos, junto da antiguidade das lembranças, em frente das emoções...»

Impulsos

https://socalcosdamemoria.blogspot.com/?

https://www.amazon.es/-/pt/dp/1678059781?fbc...

 
Autor
cleo
Autor
 
Texto
Data
Leituras
345
Favoritos
5
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
53 pontos
3
5
5
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
rosafogo
Publicado: 06/06/2023 15:42  Atualizado: 06/06/2023 15:42
Usuário desde: 28/07/2009
Localidade:
Mensagens: 10497
 Re: A soleira da porta
Olá Cleo
O lenço na minha aldeia era muito usado pelas mulheres que ficavam viúvas, lenço preto claro, de inverno e verão, e outras tantas usavam-nos coloridos, parece que estou a vê-las, ao domingo a caminho da missa. As conversas na soleira da porta era hábito, as moças faziam renda para o enxoval e as mais velhas coscuvilhavam sobre a vida alheia e sobre a sua própria vida com queixumes por causa do vinho que os maridos bebiam e nem sempre as tratavam como deviam. Como é bom recordarmos, é como se ainda nos fizessem companhia, ao fim e ao cabo, foi tudo quanto amámos, são as nossas raízes e as lembranças são património nosso.
Reconheço que somos aldeãs de gema, não esquecemos e nada nos oferece tanto calor ao coração.
Obrigada por mais esta bela prosa, que amei ler.

bj.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 07/06/2023 10:24  Atualizado: 07/06/2023 12:58
 Re: A soleira da porta
De facto
"não deixar morrer a memória"

Enviado por Tópico
Jmattos
Publicado: 07/06/2023 20:21  Atualizado: 07/06/2023 20:21
Usuário desde: 03/09/2012
Localidade:
Mensagens: 18165
 Re: A soleira da porta
Poetisa
Tantas conversas na soleira da porta, vidas imortalizadas nas fotos e nas memórias contadas! Parabéns pela sensibilidade!
Abraço!
Janna