DEDO PODRE
Certa vez, em resposta a um comentário d’ela, escrevi: “Ela tem o dedo podre, o coração de pedra e o sexo seco.”
Foi a coisa mais dura que escrevi sobre alguém, em toda a minha vida.
Eu estava magoado após ela ter dito a quem quisesse ouvir que tinha o dedo podre para escolher homens. Eu não me fiz de desentendido. Incluí-me em sua afirmativa e lhe fiz essa descrição desfavorável, antes sentimental que anatômica. Era como se concordasse, porém esclarecendo ser seu dedo podre quem estragava tudo o que tocava. Não eram os homens que passavam por sua vida inservíveis — ou podres, como ela os qualificou — mas sim ela que os deteriorava com sua incapacidade de ser recíproca. Forçoso esclarecer que dar para receber nunca lhe foi primordial em relações amorosas, ao menos a meu ver.
De qualquer modo, a violência de meu juízo a seu respeito me chocou. Era despeito, obviamente. Enquanto lhe orbitei a existência, eu tolerara suas maneiras com a esperança de lhe inspirar afeição. Todavia, passados anos n’esse jogo insidioso de apostar cada vez mais alto apenas para confirmar que a sorte jamais me sorriria, eu me vi perdido em ressentimentos e ciúmes. Dei para falar muito mal do amor, sentimento que supunha sagrado, para, após, destilar todo esse fel que me subia à boca diante do fracasso de nossa vida a dois.
Penso que descuidei de mim. Deixei a barba e o cabelo desleixados, bebendo excessivamente. Atravessei noites e noites em longas e solitárias caminhadas de canto a canto da cidade sem qualquer propósito senão investigar as obscuras motivações que nos lançaram um nos braços do outro. Aparentemente, recordando agora, era como cavasse um poço dentro de mim mesmo onde eu m’escondesse dos olhos de terceiros e seus julgamentos. Nada era conclusivo. Eu revirava hipóteses sem conseguir chegar a uma teoria que me servisse de verdade, precária e provisória que fosse, sobre o que havíamos vivido juntos.
Talvez ela tivesse, de facto, o dedo podre — o que fazia de mim não mais que uma decepção. Talvez ela tivesse me apodrecido — o que fazia d’ela não mais que uma parasita. Não sei se o leitor, ou leitora, me acompanha o desatino, mas ambas proposições me parecem hoje injustas. Aceitá-las seria desgostar tanto d’ela quanto de mim, algo que, ao fim e ao cabo de tudo, nós não merecemos. Mas, e a podridão do dedo? Outra figura infeliz de linguagem comum aos desapaixonados. Servira tão-somente para expressar algo que também eu sentia àquela época: Azar no amor.
Fechadas as contas, ambos nos ofendemos. Dedo podre?... Coração de pedra?... Sexo seco?... Culpa-se quem não sente ou quem não faz sentir? Se o outro não atrai, afetiva ou sexualmente, tal insensibilidade é uma questão do casal, não de cada um por si. De minha parte, esse episódio resta como um momento de imaturidade emocional. Eu lamento ter escrito o que escrevi.
Betim - 21 05 2025
Ubi caritas est vera
Deus ibi est.