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Processos na mesa II

 
II
Um ano depois em maio de 1997 fui chamado a residência do digníssimo excelentíssimo sr. Desembargador J* presidente do egrégio Tribunal de Justiça. Estava sentado numa farta mesa de café, trajando um robe de chambre de seda, apontou uma cadeira para mim sentar e falou-me enquanto a criada servia-me o café.
- Estou arrumando as coisas para ti lá no Tribunal. Vai amanhã falar com a minha filha Doutora* que é a minha secretaria particular. Ela vai te ajeitar teu emprego.
Despedi-me feliz, quase beijava-lhe as mãos, respirei aliviado e não via a hora de chegar a loja e contar a novidade a minha amada Van.
No outro dia, todo bem produzido, o rosto rapado três vezes, o sapato brilhando dirigi-me ao imponente Palácio de Justiça Clovis Bevilacqua na Avenida Dom Pedro II. Subi até o terceiro andar, ao gabinete presidencial e fui barrado por um PM maçaneta, que anunciou-me que a filha do homem não se encontrava e dai começou o meu calvário de gato e rato, e quando conseguir encontra-la deu-me uma longa lista de documentos e para meus dois irmãos já empregados lá, pediram apenas o RG e o CPF. Começou a luta para tirar esses documentos que incluíam até os meus certificados de conclusões do ensino fundamental e médio – acho que a filha dele não foi muito com a minha cara. Por ser o preferido dele.
Então resolvi encontrar-me novamente com o excelentíssimo Sr. Presidente, mas tudo conspirava contra. Então lembrei-me que certa vez falou que precisaria de dois ferrolhos para porteira de sua fazendo em Cururupu. E assim os fiz e numa manhã bem cedo fui novamente a residência dele presenteá-lo, o homem ficou feliz e perguntou-me como estava indo as coisas. Expliquei-lhe tudo, ele se irritou e disse-me:
- Encontre-me amanhã as dez no gabinete da presidência. Eu vou dar um jeito nisso, certo.
- Sim senhor!
As dez em ponto nos encontramos, mandou-me esperar enquanto saia com uma baixinha e minutos depois voltou e mandou-me acompanhá-la até a sala do departamento pessoal. Ao entrar sentir o ambiente pesado e anormal. Uma senhora bem vestida, atras de uma enorme mesa mastigava uns cubos de gelo ao lado a filha do homem meio sem graça que sorriu amarelamente para mim e comportou-se menos arrogante como de costume. Ouvi a senhora do gelo sussurra-lhe nos ouvidos discretamente:
- Quem é esse? – E olhou menosprezadamente dos pés a cabeça e mastigando o gelo.
- Esse é o filho de um grande amigo e talvez até primo do meu pai.
Pediram o RG e o CPF que xerocaram imediatamente. Procurei uma agência do banco do estado para abrir uma conta. E assim fiquei a espera da portaria que foi outro drama, duas semanas depois finalmente o recebi designando-me com datilografo e lotado no Juizado Especial Cível e Criminal de um bairro qualquer, apenas cinco horas de expediente por dia e dois salários mínimos e o que encabulou meus irmãos, com quinze dias apanhar o meu primeiro contracheque. E para minha grande tristeza nesse dia o excelentíssimo sr. Presidente veio a óbito com infecção generalizada, mas deixou bem empregado.


 
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efemero25
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