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O espelho do morto

 
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Ergue o cadáver de teu pai e prossegue,
Esgueirando-se nos corredores da demarcada derrota
O choro lânguido de teus irmãos não trará conforto tampouco,
A esperança será presença constante nos fatídicos dias vindouros.

Não trago o alento da sobrevida contínua e crua
Ou mesmo a mentira do consolo de mitos inglórios e orgulhosos,
De guerreiros arianos repousando em braços de Valquírias com favos cabelos pendendo nos ombros em longas tranças,
Ou mesmo o inferno que julga conhecer aquele que explorou a cidadela vazia dos condenados.

Sou a tristeza, o pranto,o lamento mórbido,
A coragem desnecessária que aperta o gatilho do suicida com olheiras profundas e magoadas,covarde?
Desfaço pensamentos honestos e beijos cálidos Abandonados no corpo flácido sangrando inerte
A alma sentida no arrepio e vozes do perseguido alucinado

Fez de mim Rainha e o calabouço morada perpétua,aperta de encontro ao peito o fardo,ostentas a chaga inflamada sem receio,
Teu destino assombrado,herança penosa.

Depressão é o nome do fim do vale onde a escuridão passeia desnuda,amante impura e única noiva,
Seu longo manto arrasta-se deixando um rastro de flébil dor perpetuamente reacendido em chamas altas,traçado conhecido nos velórios e cantados desalentos do asceta desvairado,
Fadário pesado de sintomas delineados na lousa cinzenta,
Nos tons amargos de não reconhecimento,da paixão esgotada, do aborto espontâneo,do trauma jamais resolvido,da solidão, solidão...

Exibindo orgulhoso estigmas de Satan,
Lágrimas percorrem pensamentos, lembranças ocultam-se nos lençois formando nítidos caixões abertos enfileirados,memórias indesejáveis

O estremecimento que não cessa,
Sou irmã siamesa ,expulsa-me com teu fim interligado,tumor multiplicado em feroz estágio avançado,
O espelho é quem diz tudo isto,nos olhos cansados o reflexo de quem vislumbra a tragédia sem máscara nas horas que passam lentas feito Anseios de rostos deformados

É meu cadáver na face polida,profetizando Opróbrio em cristal amaldiçoado,recostando-se na Parede aguardando os últimos momentos,recolhendo-Se na letargia de vaga imagem enlutada,tecendo planos autodestrutivos com últimas forças no lençol sedutoramente enrolado no pescoço frágil.

 
Autor
RaimundoSturaro
 
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Enviado por Tópico
Paulo Gondim
Publicado: 20/08/2008 03:03  Atualizado: 20/08/2008 03:04
Membro de honra
Usuário desde: 12/11/2007
Localidade: São Paulo (com o coração no Nordeste)
Mensagens: 448
 Re: O espelho do morto
Rapaz, é de arrepiar... Mas é um texto muito bem elaborado, com uma amostragem da realidade, espelhada nas entrelinhas. Ou seja: a grande realidade de todos nós, sem maquiagem, sem apara de arestas. A realidade.
Seu texto me imprssionou muito!
Parabéns!


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/08/2008 07:29  Atualizado: 20/08/2008 07:29
 Re: O espelho do morto
Não me vou alongar, porque estou longe de ser algum dia crítica literária.
Mas este texto é de uma qualidade suprema.
Retrata a morte com sabedoria.
A morte consciente.

Abraço
ConceiçãoB


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 20/08/2008 15:59  Atualizado: 20/08/2008 15:59
 Re: O espelho do morto
Raimundo,
Sou fã do teu estilo.Tens linguagem própria para falar de coisas comuns onde os "enfeites" são desnecessários.
Bjins, Betha.