Crónicas : 

EBREU HERÓI

 
EBREU  HERÓI
 
Ebreu, sempre foi considerado um rapaz de futuro promissor; na infância era tido como uma esperança na família. Uma rara capacidade intelectual. Na escola, sempre foi um estudante de destaque, tido por todos como um indivíduo especial. Vindo de classe média, porém de cultura elevada. Eram comuns seus rompantes de menino superdotado.
Ao se aproximar o tempo de optar por uma carreira de nível superior, Ebreu não teve duvidas em escolher a romântica profissão de médico de animais. Vou estudar veterinária! Disse com incontida felicidade para a família. Ninguém entendeu nada. Um rapaz de futuro tão brilhante resolve ser veterinário; algum desgosto deve haver por trás
Desta fachada de alegria...
- Mais um voto de pobreza na família, parece uma praga! Resmungava pelos cantos da casa a mamãe Vidinha, após saber da desastrosa escolha da única esperança da família em virar o jogo.
- Filho, veterinário no Brasil, só se for dono de fazenda, do contrário a miséria estará sempre à vista! Mas nada demoveu Ebreu de se tornar, o primeiro médico de animais na família.
Na universidade, não foi diferente, um destaque, sempre. Se não era o primeiro da turma, nunca deixou de ser o segundo.
Na formatura foi aquela festa! Congratulações de todos os conhecidos. Foi uma semana inteira de festividades. Quando tudo acabou, Ebreu estava com um diploma de médico veterinário na mão e sem um tostão no bolso! E, agora, o que fazer para conseguir viver da profissão tão desejada? Muitas idéias ocorreram: montar um consultório no quarto de empregadas pareceu no início, uma idéia interessante, mas pensando bem, não teria condições de cobrar consultas dos amigos do bairro e o que não lhe faltava, eram amigos; seria começar hoje e aguardar a falência. Outra sugestão foi começar numa clínica qualquer, para ganhar experiência e garantir o pão com manteiga do dia-a-dia. Algum espírito zombeteiro sugeriu, por que não usar o fusca do pai e sair por aí vacinando cachorros. Mas, ele não havia sonhado com nada disso. Apareceram muitos oferecimentos de emprego, dentre esses se destacavam: caixa da farmácia de um amigo, apontador do jogo do bicho (pelo menos tinha bicho na história), Vendedor de vaselina sueca e de Viagra, vendedor de catacumbas do novo cemitério da cidade. Entretanto, a salvação, após meses de peregrinação, veio do Mato Fino do Sul, onde um primo distante, sabendo que Ebreu agora era Doutor e havendo vaga num órgão do Estado ou mais especificamente, no DIALGRO, resolveu sondar o primo. Não houve dúvidas, Ebreu vai para Mato Fino do Sul! Houve euforia na família. Eu não disse que ele ia ficar bem!Vai para o Mato fino, terra de gente rica! Logo, logo compra uma fazenda e vira coronel! Sorrindo de orelha a orelha, embarcou em meio à festa de amigos e familiares, o privilegiado Ebreu.
E não foi com pouca empolgação que nosso herói iniciou seus trabalhos em Mato Fino do Sul. O primeiro ano foi de aclimatação com o serviço e com o novo ambiente. Logo veio o casamento com dona Jandira, não uma latifundiária qualquer, mas com moça da mesma classe de Ebreu, também dedicada profissional, só que ao magistério primário. O segundo ano, em terras novas, serviu para que viesse ao mundo o primeiro filho de Ebreu, a forte e inteligente menina Ebréia. Com o aumento da família começou a crise ou melhor começou a constatar que o salário não dava para cobrir as despesas do lar, iniciara-se a fase de inadimplência . A única maneira encontrada, foi abandonar o convívio familiar dos fins de semana, para conseguir equilibrar o orçamento, com o serviço particular aos pecuaristas ou a quem precisasse do trabalho de um veterinário. Ao terminar o ano, revendo sua agenda de serviços, se deu conta que não tinha ficado um fim de semana com a família durante o ano, e que a pequena Ebréia era uma graçinha. Mas, havia lucros a computar: conseguira comprar um carro velho, um fusca 68, morava numa casa de dois quartos, o bairro não era bom, mas estava começando...
Os dois anos seguintes foram tão ou mais laboriosos que os anteriores, só que ganhava cada vez menos! O salário que o Ebreu ganhava no Dialgro, era segredo, ele não contava pra ninguém. Era uma da poucas vergonhas que tinha na vida.
No fim do quinto ano de intensa labuta, o promissor Ebreu, estava abatido e tartamudeava pelos cantos do escritório, a carta que elaborava para enviar ao pai: “Pai, foi uma pena não ouvir tuas sábias palavras. Não virei fazendeiro e com a certeza de que tudo que sobe, desce, não vou virar nunca! As coisas por aqui estão na base de fé na crise e pau na gente. Semana passada a Ebréia ficou doente, tive que pegar dinheiro emprestado com amigos para comprar remédios. O chato é que meu salário está atrasado e ficam me cobrando. Acho que Mato Fino do Sul foi um tiro no pé, querido pai.
A Jandira vai bem de saúde, já que financeiramente está pior do que eu, o que ganha mal dá para pagar as passagens de ônibus para ir a escola onde dá aulas.
Mas, não está tudo ruim não, estou trabalhando como nunca! Estou até bolando uns trabalhos de pesquisa, para os momentos de folga, estou bastante animado com esses projetos. A Jandira, também, é muito dedicada. Os alunos gostam muito dela, dizem que é a única professora que não falta às aulas.
A respeito de ir aí nas férias, não sei não. O dinheiro que vai sobrar até o fim do ano, pretendo dar de entrada numa bicicleta. Porque como já te falei, o fusca da família
Virou ninhal, é ali que as galinhas da família chocam seus ovos, já que o motor pifou e não existia verba para o conserto. Sendo assim, se as saudades forem muitas, pegue a mãe e venha passar uns dias com a gente. Não se esqueça de trazer uns trocados para ajudar nas despesas.
Um grande abraço em todos.
Ebreu
No ano de 2001 esteve em visita ao Ebreu, um colega de turma, o irreverente e bem sucedido Delfim. Que não acreditou no que viu. O melhor aluno da turma estava numa m... De dar gosto!Habitava um modesto apartamento conjugado. Tinha um carro de marca e ano ignorados, graças aos constantes consertos e reformas. Tinha uma casa de campo na baixada fluminense. Tinha a bela Ebréia formada em veterinária e exercendo a profissão em algum sertão desses que se perdem por aí. Fato relatado com muito orgulho, pelo pobre Ebreu.
A situação do Delfim era completamente diferente! Assim que se formou arrumou emprego na Embrata. A realidade é que o Delfim habita confortável casa, no bairro mais chic de Campo Pequeno, capital de Mato Fino do Sul. Tem fazenda no interior de São Paulo. Os filhos estudaram em boas universidades e ninguém quis fazer veterinária fato que relata com muita alegria.
-Eu só me pergunto: que estrela fatídica guiou o Ebreu para o Dialgro. Graças a Deus que essa estrela passou longe lá de casa! Dizia morrendo de rir o colega Delfim.



Essa crônica foi escrita no período em que exercia minha profissão de veterinário,no Estado do Mato Grosso do Sul, Brasil. A motivação da mesma era criticar as condições de trabalho na defesa sanitária naquele estado. Escrever com humor sobre essas deficiências resultou numa série de crônicas e essa foi a primeira .
 
Autor
Frederico Rego Jr
 
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