Prosas Poéticas : 

A menina no quarto de pensão.

 
Suada ela tira a roupa, jogada ao chão as vestes, despe o seu corpo de desejos outros, vencida pelo cansaço, mais um dia vivido. Moradora fixa por um tempo, onde outros são temporários. Quase todos esses homens, rápidos de passagens, ela moça, quarto menor, único leito, espremido contra a parede, janela dando ao corredor.
Quem são eles pensa ela, antes deveria pensar quem era ela, pensa também, apenas se distrai pensando um pouco neles que vem e vão na região, os vendedores, mascates, ambulantes, transeuntes do comércio das cidades sem indústria, rurais por assim dizer.
Os carros, gostava ela de ver os carros, sempre abarrotados de toda sorte de quinquilharias, bem, elas serviam ao povo, a uma parcela ao menos, serviam sim aos sonhos, que coisas tolas compramos sempre, mais pela sua inutilidade nos apetece ter algumas coisas, bem pensando gostamos mesmo é de ter muitas coisas inúteis. Lembra-se a moça de outra feita então, em outra pensão, lembra-se de uma outra moça, que limpava os quartos do quase hotel, casarão velho, quartos de pé direito alto, baratas seculares, verdadeiras moradoras do local.
A moça limpadora que tinha por principal companhia as tais ancestrais locais, menina de tudo, segurando a vassoura, rosto de sonho, sonho de menina, melhor era ter uma boneca na mão, será que pensaria isso ela? Pensava-se isso ao vê-la, e ela, a adentrar e sair de tantos quartos, foi então que o vendedor ambulante de quadros vendeu seu produto, quanto ganhava a menina? Não sei, mas comprou uma porção de quadros inúteis, inúteis para alguém de fora que a olhava, qualidade baixa dos quadros, fotos de quem? De atores de televisão, meu Deus? Porque ela não compra uma revista que é mais barato? Porque não dá para colocar na parede e não tem moldura, e a foto não é do tamanho da cara, porque ela tem é mesmo os sonhos dela muito mais que esses quadros. Pois bem, atores de televisão na parede da gente, que coisa.
Mas antes da sua parede elas fotos estavam na sua mão, não, não era isso, ela devia sentir algo como eles atores estavam na sua mão, sim ela menina, quase os tocava, por certo os tocava, aos atores, eles e ela, assim pertinhos, como conseguir se separar? Melhor era pagar pelo possível vivido, senhor mascate vendedor de sonhos, que vende o ser feliz um pouco. A menina larga da vassoura e segura os seus atores, no chão ela sentada e os quadros ao colo, por alguns minutos eram eles assim, únicos e felizes. Imagem: indústria de sonhos, recuperação dos afetos tolhidos da gente toda. Sem duvida que os levaria com ela, e esse olhar perpetuaria esse estar pertinho, ela e eles, ninguém os desgrudaria, quanto isso custa? Ah menina sem vassoura na mão, que comoção a visão de ver seus sonhos na sua mão.

Katia






 
Autor
Katiaho3
Autor
 
Texto
Data
Leituras
1202
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
2 pontos
2
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
Antónia Ruivo
Publicado: 19/06/2009 23:31  Atualizado: 19/06/2009 23:31
Membro de honra
Usuário desde: 08/12/2008
Localidade: Vila Viçosa
Mensagens: 3855
 Re: A menina no quarto de pensão.
Parabéns pelo texto e pela mensagem que encerra, beijinhos