Carlos Drummond de Andrade : Como encarar a morte
em 24/09/2011 16:12:13 (11327 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

COMO ENCARAR A MORTE


De longe

Quatro bem-te-vis levam nos bicos
o batel de ouro e lápis-lazúli,
e pousando-o sobre uma acácia
cantam o canto costumeiro.

O barco lá fica banhado
de brisa aveludada, açúcar,
e os bem-te-vis, já esquecidos
de perpassar, dormem no espaço.


A meia distância

Claridade infusa na sombra,
treva implícita na claridade?
Quem ousa dizer o que viu,
se não viu a não ser em sonho?

Mas insones tornamos a vê-lo
e um vago arrepio vara
a mais íntima pele do homem.
A superfície jaz tranqüila.


De lado

Sente-se já, não a figura,
passos na areia, pés incertos,
avançado e deixando ver
um certo código de sandálias.

Salvo rosto ou contorno explícito,
como saber que nos procura
o viajante sem identidade?
Algum ponto em nós se recusa.


De dentro

Agora não se esconde mais.
Apresenta-se, corpo inteiro,
se merece nome de corpo
o gás de um estado indefinível.

Seu interior mostra-se aberto.
Promete riquezas, prêmios,
mas eis que falta curiosidade,
e todo ferrão de desejo.


Sem vista

Singular, sentir não sentindo
ou sentimento inexpresso
de si mesmo, em vaso coberto
de resina e lótus e sons.

Nem viajar nem estar quedo
em lugar algum do mundo, só
o não saber que afinal se sabe
e, mais sabido, mais se ignora.


"Como Encarar a Morte"
In Corpo - Record, 1984


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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 24/09/2011 16:35  Atualizado: 24/09/2011 16:35
 Re: Como encarar a morte
Eu faço a pergunta de outra maneira ou seja como encarar a vida e sou assim a morte fica para segundo plano viver com medo de morrer e como se ja estivesse morto gostei deste poema

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