EU ESCREVI UM POEMA...

pena, antónia, que um poema não vai mudar nada. no máximo, no máximo, quando muito, pode incomodar.

beijo,

j.

como escreveu o irreverente oswald de andrade, pai do nosso modernismo:
"e se eles vierem?
resistirei
resistirei
resistirei..."

(não faz mal que não me ouçam. mesmo assim eu gritarei.)

"faz escuro, mas eu canto."
(thiago de mello)

beijo,

j.

há uma canção, composta por aqui na época da ditadura, por dois irmãos, marcos e paulo sérgio valle, que bem diz: "a mão que toca o violão/se for preciso faz a guerra/mata o mundo/fere a terra/a mesma voz que canta um samba/se preciso canta um hino/louva a morte/viola em noite enluarada/no sertão é como espada/esperança de vingança/o mesmo pé que dança um samba/se preciso vai à luta/capoeira/quem tem de noite a companheira/sabe que a paz é passageira/pra defendê-la se levanta/ e grita: eu vou!(...)" e vai por adiante. esta infeliz do meu poema é uma entre tantas.

abraço, irmão poeta.

j.

linda lu,

esta mulher, esta mãe está diante dos meus, dos seus, dos nossos olhos, mas muitas vezes, porque temos pressa ou somos ocupados demais, como o arcebispo metropolitano, que tem encontro marcado com deus no seu palácio episcopal, não podemos enxergá-la. séculos se passaram e não aprendemos a lição: "cuidado com o povo infeliz." um dia muda. um dia o povo infeliz faz a história.

beijo,

j.

mar,

esta mulher triste, com seu filho sem qualquer perspectiva, está no mundo inteiro. só nós não enxergamos porque fazemos que não a enxergamos. mas se o arcebispo, que dizem homem enviado por deus não vê, como é que podemos vê-la também?

te adoro, minha linda menina.

beijo, mar.

j.

se fecharmos os olhos do rosto e partirmos o coração talvez saibamos ver essa mulher. eu parti o coração mas não aprendi ainda a fechar os olhos. como se faz?

um beijo,
saudade,
mar.

o que você sabe fazer como poucos - escrever. e bem. você é uma privilegiada, sabia?

j.

privilegiada sou por saber ler. ler e aprender. consigo, com muitos que como você me seguem os passos. alguns calados outros aos gritos, cada um com a sua sentença. que não me mandem na fogueira ao menos- pena suspensa. mereço. o resto é tudo o sentir, este sentir assim tamanho, tão grande como respirar o mundo.

um beijo,
mar.

ainda vou te ver lá em cima. tenho certeza.

j.

maria fernanda, minha irmã querida,
gostem ou não, a poesia deve e tem a obrigação moral de ser participante. rimar amor com dor é ficar quieto num sofá. a poesia não deve ser apenas sonetos rimados, que são belos apenas.a poesia deve ser feita para que acordem os olhos dormidos para esta mulher triste e dela acordem todas as mulheres tristes que habitam não só o meu país, mas as mulheres tristes do mundo inteiro. a poesia, no entanto, não vai acordar o mundo inteiro, nem será um acalanto para ninar a criança que dorme nos braços da mulher triste que chora de fome. a poesia só vai deixar a minha barba um pouco mais branca. como diz um poeta brasileiro, thiago de mello: "Faz escuro, mas eu canto." - eu também.

beijo

j.

maria joão,
eu vejo esta mulher triste todos os dias. mas também não faço nada por esta mulher triste todos os dias. ai, ninguém faz. mas eu morro um pouco com ela todos os dias.

beijo,

a questão a meu ver é bem mais pertinente que o facto de puderes ver essa tua mulher triste ou eu ou nós vermos as nossas mulheres tristes todos os dias, mas sim o facto de sabermos que elas existem em tantos degraus de igrejas, em tantos vãos de casas comerciais, em tantos bancos de jardim, em tantas casas ao relento.

beijo