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Escrevi mil livros
em minha cabeça.
Nenhum de papel
ou matéria igual.
Já plantei também
árvores imaginárias.
Jaqueiras rasteiras
híbridas de bananeiras
à beira de um lodaçal
de sonhos.
Também morri.
Certa vez, em abril.
Outras tantas,
em delírios suicidas
emprestados da prima
anoréxica.
Matei.
Leões, dragões,
personagens
e desejos.
Fiz tanta coisa!
Atos homéricos
com o sincronismo
muscular
dos meus neurônios.
Com toda facilidade
que há em pensar coisas.
Hoje,
quando a luz acaba
e o céu também,
na violenta tempestade,
eu penso no raio violeta
projetando-me
para perto do mar.
Trovões são ondas
quebrando pedras.
Estou ali,
sem lugar.
Como o vento que se sente
e não se vê,
só está.
Estou.
Fazendo coisas
que só eu posso me gabar
de fazer.
Só tenho a mim
para convencer-me das coisas.
Sou só eu para acreditar.
As longas viagens internas
são zombaria da vida aberta,
de olhos abertos.
São odes à minha pequenez
e pernas curtas
cheias de vigor que supostamente
as levariam ao mar
em dias de chuva, sem luz.
Mas não.
Caminham para a escuridão.
Pernas curtas de galgar mentiras.
A infinitude do meu pensar,
os mil livros
e árvores da minha imaginação.
Minha consciência cósmica dilatada...
Tudo é tanto,
que quando abro os olhos
suspiro o cansaço de uma reticência.
A demora,a espera...
O vir a ser...
O ser no mundo...
O tempo.
Ai,que esse estado carnista,
orgânico,
é o fardo.
Acendo a vela.
Ainda chove, não há luz.
Deito meu corpo nu no chão gelado.
A carne esfria denunciando
meu estado vivo.
Abro os olhos,
lembrando do mar
de instantes atrás
que já não tenho.
A carne fria.
A carne é fraca.
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