Poemas, frases e mensagens de Colima

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Colima

Éramos muitos

 
Éramos muitos,

Não sei quantos, mas muitos,

E Deus criou a palavra, e por ela nos votou à imperfeição,

Davam-nos papel higiénico para limpar a cavidade oral,

E Deus criou o corpo e as montanhas,
E em ambos colocou abismos insondáveis,

Éramos muitos e fortes, e eles poucos e fracos,

E para que conservássemos a vida
Deus criou o medo

Éramos muitos,
No entanto os nossos braços fortes pendiam
Como galhos despidos aos primeiros sopros do vento de Outono.

(…)
Não nos preocupemos, amigos, em colecionar as falhas dos ricos,
Eles são gente poupada – e paciente – certeza é que
Aguardam o momento certo para nos lançar a funda dos nossos pecados à cara.
 
Éramos muitos

Despia-se no templo da Mona, onde o altar é um espelho

 
Despia-se no templo da Mona, onde o altar é um espelho
E as vestes puídas tombavam-lhe dos ombros,
Ao fundo, bem ao fundo, um povo cigano
Eternamente amaldiçoado pelo pecado original
Vagueia, ainda hoje, alimentando-se do roubo
E da caridade dos felizes para com os seus filhos
Deliberadamente estropiados;

Alimentou-se do sangue dos pobres e dos nobres,
Lembrando que um dia na história foram os mesmo;

Contemplou a vontade, tão mísera e impotente,
Submetida a uma outra … incógnita, irredutível;

Mas quando à noite recolhe ao seu leito
Beija, submissa, os pés do seu marido
Alguém a prevenira para o abismo que se abre,
Quiçá em cada milénio, ou cada vez que o
Equilíbrio cósmico é perturbado…
 
Despia-se no templo da Mona, onde o altar é um espelho

Sonho

 
Um cortejo bizarro que passa
O passado entre sombras tenebroso
Um charco de sangue que alastra
A uma cova qualquer onde se afunda

As pedras que ocultam indiferentes
A imagem daqueles que contemplam
Os náufragos que adornam as correntes
Dos tempos que em verdade nunca mudam

Só força, de onde vem toda essa força
Que faz aguentar o peso insustentável
Da memória?
 
Sonho

Ei-los, os bárbaros

 
Ei-los, os bárbaros,
Chegam hoje a Roma
Onde confortavelmente
Se instalaram.

Ei-los, os bárbaros
Prestam tributo
Ao Deus cristão
Fizeram suas preces.

Ei-los, os bárbaros,
Conspurcam o templo
Violam as vestais
Destroem o altar.

Ei-los, os bárbaros,
Mancharam de sangue
Colunas coríntias
Manchadas de sangue.

Segue-se agora a noite,
A noite dos tempos
Uma noite bárbara
Para almas bárbaras.
 
Ei-los, os bárbaros

Lava

 
Lava...
Com a ponta da língua molhada
Todas estas memórias

sujas

Lava...
Que o mundo jamais será nosso,
E a vã esperança que assola
Lava-a,
Com a ponta da tua língua molhada

Lava...
Ainda antes que chegue a noite
Serei apenas um corpo
Na ponta da tua língua molhada...
 
Lava

Madeixas Loiras

 
Porque fizeste essas madeixas loiras querida?
Porquê?
Porque te sentes bem assim?
Porque os homens preferem as loiras?
Porquê?
Não te esqueças que Deus é Deus,
E que ofendê-lo é pecado...
E Deus, a uns fê-los brancos,
de olhos azuis, outros loiros,
negros, amarelos... até franceses,
vê lá tu!...
A mim, esbarrou-me
com este nariz judeu estúpido
que tenho;
A ti fez-te com uma linda
cara oval adornada com
lindos cabelos castanhos
finos que nos momentos
mais felizes caem abandonados
na tua testa.
Colocou-te também dois lindos
olhitos em forma de amêndoa
que tantas vezes vejo eivados
de desespero, ou semi-cerrados
porque estas cansada
de trabalhar ou felizes
porque acabaste de saber uma
boa-nova picante na revista.
Impôs-te duas mãos demasiado
largas que bem poderiam
ser de um rapazito adolescente.
A mim mãos compridas com
dedos delgados que bem
poderiam ser de obstetra.
Não cheiras a Chanel... Mas
a alho quando cortas alho,
hálito de cebola quando comes cebola
e... obviamente
tal como todos os outros mortais,
o ácido sulfénico faz-te chorar.

Agora diz-me querida,
Se Deus colocou em ti tanta beleza,
Porque gastaste os últimos tostões nessas madeixas loiras?
 
Madeixas Loiras

Pega no teu Livro, Amalfitano

 
A Roberto Bolaño,

Pega no teu livro e expõe-no ao vento,
Ao sol, à chuva, a todos os tormentos,
Pendura-o pela capa resistente,
A ver o que nele fazem os elementos;

Pendura o teu livro no deserto,
Vê como é robusto e resistente,
E ainda que, matéria indiferente
Se alça num invisível protesto;

Do que fala o teu livro, Amalfitano?
Fala de geometria ou de demência?
De sofrimento, morte ou inocência,
Ou de vida, tão só vida?

O polígono, a secura de um polígono,
O círculo, o quadrado, o triângulo,
O hexágono, o pentágono, o losango

Verdade+Verdade

Vida

Impossibilidade
 
Pega no teu Livro, Amalfitano

A Rosa Casaco

 
Doce calma, ar, puro, seco,
Lisboa da minha vida,
O resto? Aranha corcomida
Voando tresloucada pelo tecto.

Lisboa das mil varandas a arejar,
Quem te vira assim desprevenido
Diria que o teu indolente rio
É assim tal como uma espécie de mar.

Lisboa do largo tejo sempre igual,
O mesmo mar que vira outras andanças,
De potestades vãs e vãs esperanças,
Escondido pelas ruas ruge o mal.

Foi-te assim concedido o suave clima
Que abranda às almas os loucos intentos
E a luz abunda e abafa os lamentos
A um monótono amanhecer,

Sempre incrível!
Lisboa possível!
Paraíso...
Paraíso possível...
 
A Rosa Casaco

Antropofagia

 
Mate-se o Rei,
Saqueie-se o Templo,
Queimem-se as casas.

Já nada faz sentido,
Nada, sem a Grande Desgraça,
Esperemos por ela
como a noite espera o dia,
Agora, que já ninguém nos pode salvar;

Nada é possível,
Apressemos o fim,

Mas faremos amor,
Trabalhemos,
Construamos as nossas casas
(até com telhados de colmo),
Falemos das nossas políticas,
Gastemos o nosso dinheiro.

Tudo é permitido aos que morreram.
 
Antropofagia

Por vezes a terra treme

 
Canto, canto, os desafortunados,
Os pobres de espírito, os fúteis,
Os medrosos, os covardes,
Os mentirosos, os preguiçosos,
Os melados, os maricas,
Os poetas, fugitivos,
Os parolos, os cativos,
Os doentes, os falhados;

Enquanto os que assim canto,
Existem e são vivos,
O mundo segue o seu castigo
Revestido de cores bonitas;

Enquanto os milhares se banham
Numa orgia de conceitos
Desfaço-me em frases feitas
E melodias decalcadas,

Mas por vezes a terra treme...
 
Por vezes a terra treme

Oração de um fascista

 
Sonho? Sonho é nada!
Vida é lutar e acreditar,
O resto? Ideias? Nada!
Só uma ordem...só e expressa
A vontade de um líder escohido,
O resto é caos e abismo,
O desnorte tão perigoso,
Só o heroísmo,
O tudo e o nada,
A pátria amada cujo sol
ilumina
O respeito precioso,
a ordem humana,
só, e um líder,
O resto é nada.
 
Oração de um fascista

Rainha dos corvos

 
Como te vi naquela noite
A lentos e firmes passos,
Coroada, rainha dos corvos,
Caíndo na rua aos pedaços.

Dança bela, a rainha,
No seu trono majestal,
Balança o seu corpo disforme
Na cintura cravada um punhal.

E passa, lenta, a breves passos,
Por entre a noite que avança,
Comem-lhe corvos pedaços.
 
Rainha dos corvos

O tirano

 
Se o vento e o tempo
ainda têm lições para da,
a mais pusilânime será
que no amor não existe democracia;

Em modos liberais nos afoitamos
ao corpo desejado de Deméter
qual ladrão ocasional
encontra a janela aberta;

Cedo nos apegamos
às benesses do amor
e daquilo que tínhamos por empréstimo
nos queremos tornar donos e senhores,

O corpo tão desejado
o vemos, como uma extensão
do nosso próprio corpo,

E mais faríamos,
se porventura lêssemos os pensamentos.
 
O tirano

Esta noite, o dilúvio

 
Esta noite, o dilúvio
De todas as almas condenadas,
Onde vidas também naufragadas
Encontram, avaras, o mar;

Que corram, deixá-las correr,
Ávidas de prazer, lascivas,
A terra afaga as esquecidas,
É igual, viver ou morrer.
 
Esta noite, o dilúvio

Non Plores, Brutus

 
Brutus, não chores,
Se as Moiras te mostrarem
Um futuro Tenebroso,
Se toda a tua coragem e esforços
Para domar a cobardia
Saírem gorados.

O Povo gosta de tiranos,
Já o devias saber.

Tão pouco lamentes
O dia em que imperadores
Efeminados conspurquem o nome
De Roma ou então, horror dos horrores,
Se intitulem de Rex.

Já está tudo escrito e tudo pensado
E das falas ordinárias dos bairros de má-fama
Sairão ainda obras belas como as que
Aprendeste dos teus perceptores.

Do mais duro dos corações
Podem ainda sair Eneidas em gestos,
Nada acabará, Brutus, apenas aparente
Na mudança se desenha o apocalipse.
Não te fies.

Ainda antes, acaso não te tivesse tomado
A ansiedade, que te volvesses num poço de necessidades,
Haveriam de te lembrar e engrandecer.

Não te fies Brutus, não te fies….
 
Non Plores, Brutus

Eu e a minha miúda

 
Eu e a minha miúda gostamos muito um do outro. Porém, ao contrário do que se possa pensar (e pensa-se tanto hoje em dia!), esta relação a que eu chamo, sem mais delongas, de uma relação de amor, não nasceu espontaneamente, como uma flor de alecrim brota da terra nas condições mais inóspitas. Foi apenas depois de uma aturada reflexão, e sobretudo muito civismo de ambas as partes, que chegamos a um ponto que em economia chamamos de “ponto óptimo”.
Passo a contar.

Desde muito cedo compreendemos que éramos profundamente diferentes. Ela gosta de pintura. Eu sei disso. Eu tenho um fascínio genuíno por dinheiro e gente rica. Ela também sabe disso. Embora tudo apontasse para um choque imediato de personalidades, as nossas almas sentiram que ninguém, por si só, é compatível com um único ser humano em todo o nosso vasto e azul planeta. Cognoscentes desta realidade, resolvemos alargar deliberadamente as nossas esferas de individualidade, unindo-nos apenas nas ocasiões estritamente necessárias, digo, estritamente necessárias. Quando quero sair saio. Não dou satisfações a ninguém. Ela tem a mesma liberdade. Por isto mesmo, o tempo que passamos juntos é sempre maravilhoso e cheio de novidades, incólume a toda essa pestilência sentimental de que se nutrem as relações doentias.

Não contamos as nossas desilusões, nem os nossos desejos. Mesmo as nossas virtudes parecem sair discretamente pela porta das traseiras quando nos inebriamos apenas com a presença um do outro. Foi desta engenhosa maneira que racionalizamos a nossa relação.

Às vezes ela chega tarde e embriagada. Deduz, presumo, que àquela hora já estarei a dormir o sono dos justos. Mas não. Tenho o péssimo hábito (que nunca lhe contei), de acordar todos os dias, pontualmente, às seis horas da manhã, deixando o meu corpo repousado na cama até à hora de ir para o trabalho, enquanto a minha mente vaguei pelos locais mais insuspeitos. Sinto que ela se aproxima da cama e me observa, embora eu não a veja. Quando finalmente se deita, depois de arrastar vagarosamente as suas roupas para fora do corpo, uma miscelânea de cheiros invade o nosso leito quase conjugal: álcool, tabaco (muito) e sexo (muito). Percebo imediatamente que anda a dormir com outro ou outros homens. Não lhe pergunto nada nem a censuro por isso. Afinal também não sou nenhum santo.
Recordo que acontece também o contrário. Quando chego a casa e a encontro prostrada no sofá, sei imediatamente que algum dos seus encontros furtivos falhou à última da hora, facto que, por um milésimo de segundo me provoca aquilo a que vulgarmente se chama prazer. Ela pergunta-me qualquer coisa muito rápida, e quando ouve uma qualquer sms chegar vitoriosa ao meu telemóvel, sinto no seu olhar algo a que podemos chamar ciúme, embora se desvaneça rapidamente.
Foi num desses momentos em que, não há muito tempo, resolvi partilhar o sofá com ela. Coloquei-me por detrás e abracei-a. Tentei-a beijar e ela recusou. Conformado, encostei o meu ouvido ao seu peito, e pareceu-me mesmo que ouvia uma espécie de gotejar inaudível na sua respiração. Essa cadência fluía para um charco sem fundo, de onde se esvaía uma fumaça que rapidamente inundava a sala de estar. Nela pairavam nomes sem corpo, corpos sem nome… vidas e indulgências fingidas. Senti-me como que aturdido. Levantei-me bruscamente e dirigi-me à varanda para fumar um cigarro. Enquanto assim fazia, pensava em como as grandes cidades e civilizações forjaram os seus gloriosos impérios em planícies e vales ricos em água, que só por um grande acaso normalmente se localizam sobre falhas tectónicas, locais de risco elevado para a ocorrência de sismos e erupções vulcânicas. Pensava também nos mistérios do corpo e do ser humano, e de como neste século em que graças às maravilhas da ciência médica, nos achamos condenados a uma longa vida. Na minha mente, milhares de terminações nervosas e fluxos arteriais teciam o labirinto infinito do ciclo vital, enredado num fluxo agora muito bem conhecido da ciência, ao mesmo tempo que pensava que fenómenos raros como a alergia à água (algo insólito tendo em conta que o nosso corpo é constituído em sessenta por cento deste elemento), continua tão misterioso como há quinhentos anos atrás.
O último episódio que guardo destas demonstrações de fraqueza aconteceu quando há pouco ela se cruzou comigo. A pobre não me viu, nem podia ver uma vez que uma larga avenida nos separava. Reparei nela por acaso. Vi que se entretinha a olhar para uma montra qualquer, com ar inocente e distraído. Nesse momento senti um abalo e um aperto enormes no peito que por pouco não me fez desfalecer. Nauseado, agarrei-me a um poste de iluminação pública e tentei recuperar o equilíbrio. Durante breves segundos, o meu cérebro implodiu num turbilhão terrível, até que me restabeleci. Voltei a cabeça para o local onde a vira, recobrei os sentidos e a vida voltou ao seu trilho.
 
Eu e a minha miúda

Retrato

 
Observo o teu perfil e o teu andar
Teu globo azul que cobre a retina
O teu corpo feito de água e albumina
Com massa adiposa a resguardar,

As veias que se perdem a irrigar
Qual mapa infinito de uma mina
Ruborescem tuas faces de menina
Reflexo sensorial ao meu olhar,

E a forma retraída neste instante,
Desenha tua boca em esplendor
Como se recusaras, qual farsante,

Que oferece logo tudo sem rancor.
Mas sabes, filha, cago no amor,
E em todos os despojos de amante.
 
Retrato

Diapasão

 
Na negrura alva de um tição
Vi que tudo em tudo assenta em nada
Que o mais belo corpo assenta em água
Não existe esperança ou salvação;

Se o que vemos é real ou ficção
Em que credo ou altar sacrificar
Se ao Deus Maior ou ao Deus do Lar
Quando a vida nos aporta confusão;

E são tudo fluxos, fluxos incessantes
Aflorando em várias margens o eterno rio
Sem saber se é bom ou mau, quente ou frio
Apenas que vivemos, morremos, tal como antes.
 
Diapasão

Minas de Ouro

 
Enquanto o som da fuligem ruge
Furiosa,
Passo calmamente ao seguinte
Momento,
Se sei o que é o sublime
Guardo-o,
Guardo-o só para mim,
Esmagado por séculos e séculos
De avanço científico,
Sei que vivemos de ideias,
Pelas ideias submetemo-nos
às maiores violências,

Será apenas arrogância?

Pensar que obedecemos ao
Sistema,
Nem justo nem injusto,
apenas aquilo que é,

Mas ideia, emoção ou nada,
Como te desprezaria,
Como te desprezaria
Com todo o meu coração
Se apenas por uma vez pusesses
em perigo esta leve sensação
de prazer que agora sinto…

Existe ainda o Amor,
O Amor e a Beleza,
As desilusões,
A sociedade,
A embriaguez,

Mesmo a vós, Amor, Beleza,
Esmagar-vos-ei,
Se alguma vez sentir o estômago vazio,
Dessas sensações que fazem ranger os dentes,

Repito!

Repito que esmurro o primeiro
Idiota que me falar em mudança,
se estiver com fome, é claro !

Assim,

Talvez seja o melhor,
Fixar-mos apenas o olhar no chão
Quando te penetrar de novo,
Tudo se vai compor,
O sol na sua órbita,
Os poetas e as sua metáforas,
E uma breve nostalgia de ser pedra.
 
Minas de Ouro

Job

 
Escolheste mal, Job,
O teu caminho,
porque a tua pobreza ostensiva
abusa da vaidade;

Em vez de te persignares
ao primeiro profeta que
te entre pela soleira,
porque não cantas tu os ricos, Job?

Dizem os saxónios
que a riqueza é um graça divina, Job
E porventura quererás contrariar
quem tem tais amigos?

Pobre Job, escolhe outra luta,
essa só a ti aproveita
e nem sequer dela te alimentas.
 
Job