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Dos mistérios pingados à descoberta plumada

 
Era um belíssimo dia que acordava noctívago. Dos bueiros esguichavam fontes de fluxos espúmeos esverdeados, e os postes de electricidade trocavam sinapses com palmeiras arqueadas ao prazer da ayahuasca, enraizada à folha. Televisionavam-se vegetais que derramavam psicofluidos violetas pelos telhados de vidro de cabanas apinhadas, a transparência violava-se à extrapolação do desejo, pois que as instrumentalizações de sopro emergiam cantarolantes enquanto nadavam.

O vento era ténue. Não obstante fazia deslizar máquinas de lavar em permanente tempestade esotérica até cumes de várias fendas, faziam trocos em sucateiras. Muitos tambores eram exportados clandestinamente para montanhas ritualistas piramidais, deglutiam humanos que dançavam aos ritmos das coreografias das palmeiras. Claro que era um prazer até deixar de o ser.

Os céus feitos de alcatrão excessivamente negro encontravam-se demasiadamente perto dos solários, e pingavam. Mas e os sémenes ejaculados das montanhas mais cultivadas em eros? Desenhavam enteogenias de escrita hieroglífica. Não pingavam. Os seres plumados que conseguiam desvendar os mistérios seminais aprendiam a voar, mas não o faziam por existirem pingas.

Resolvi abrir a cortina de negrume e acabei por verificar que as profecias do peixe-cabra, envolto em estrelas ronronantes e intermitentes por falhas hidráulicas, estavam correctas. Os astros lógicos metamorfosearam-se em astros lábios, e beijei-os em todas as bocas que consegui, as que não consegui beijei igualmente, mas com trincas, geometricamente calculadas antes do sextante. Pingaram salivas que se transformaram em cascatas onde vários esquilos se banhavam tropicalmente, os jaguares tocavam nas flautas de pã ritmadas a darbukas, já a predilecção felina era banhada às próprias salivas, sem misturas. Convidei o esquilinho que saltava à corda para vir fazer um sacrifício em homenagem ao horóscopo certeiro, como ele aquiesceu fui buscar as caixas de pandora, ele decidiu desagrilhoar o prometeu.

Rapidamente uma panela emergiu da sucata e se colocou a fervilhar sobre as chamas sopradas ao prometido. “Para a panela! Para a panela!”, clamava o esquilinho entre pigarros de chá de cidreira enrolado em papel higiénico, fora colhido usado, à ceifadela cega de eclesiásticos pernetas das três pernas, mas com muletas medievais. E haviam-lhe elucidado, “É o advento do desinsabido! Glória à supressão do palato!”, ao que ele prontamente crucificou duas colheres e apedrejou um bule até à morte. Clandestinamente se imiscuíra numa barcarola de lago frio e nunca tinha saído do sítio, achava que sim e era o bastante, mas saltavam-lhe arco-íris das pupilas e de alguns pêlos das orelhas.

Da primeira caixa, banisteriopsis caapi, sacrificação à moagem, panela.

Da segunda caixa, psychotria viridis, sacrificação à moagem, panela.

Contas feitas e o esquilinho dava aos remos em remoinhos de fervedura, embarcado em barcarola de lago quente, “Estou dentro da panela! Dentro da panela! Lux natura ad aeternum!”. E antes da gastronomia arcaica já tinha o esquiláceo sucumbido aos vapores, internei-o em caixa de pandora espetado a soro lisérgico, por instantes morreu envolto em caleidoscópios obsidianos.

As filtragens deram-me o deglutido, lançei-me na cosmogonia fluida. Eram derrames de plasmáticos que suavizavam epidermes, polidas até reflectirem estrelados em potências que não se intermitiam, ondulavam enquanto as palmeiras arqueavam mais e os postes de electricidade tombavam estilhaçados sem estrondo. Explodia a refulgência harmónica e todo eu pingava. E ainda não tinha bebido chá.

O prometeu agrilhoara-se a uma garrafa licorosa, escorregava-lhe das mãos claro está, mais ainda entre os dedos, e o fogo não ajudava. Guardou-a numa algema e foi fazer malabarismo com fitas, asseverava que as labaredas lhe queimavam o cabelo, já pandora arquivava caixas em caixas maiores. “É a vez do caixão!” entoava estridentemente fazendo vibrar os vidros que já não existiam, mas que também estilhaçavam. Apressei-me a reanimar o esquilinho para as bebidas, arrancando-o das mãos da nova agência funerária, técnica do estalo, ele penteou os bigodes e coçou uma pestana cadente.

O mascado melhor se afundou no universo do pingado, todo absorvido, era um leito de flores que vibrava caules, oitavas para cima, para baixo, e explodia luz gelatinosamente fluorescente. E a potenciação da descoberta?

Precipitamo-nos na busca.

Encontramos ostras plantadas em mundo paralelo, à distância de uma porta. Resolvemos ir à volta porque a chave tinha ido dançar para a sucateira, dedilhavam-se harpas porque os tambores tinham esgotado. E as colheitas que eram de perder as vistas? Sem necessidade de olhos para ver, recolhemos com as mãos, uma a uma até conseguirmos ter mais que várias. E eram iguais. Por consenso universal escolhemos a mais igual de todas, e derretemo-la à força do lança-chamas que estava escondido em bolso prometeico. Claro que o mistério prometido era o derretimento, e o esquilinho encarregou-se do mercúrio anal. “Está morninho…”, “E agora?”, “Quente.”, “E agora?”, “Mais quente!”, “E agora?”, “Escalda como lume!”, seguindo-se até ao rebentamento como uma bolota. Mas com som de ostra.

E como o novo mistério abismou!

“Tão lindo…”, repetia infinitamente o esquilinho até que os ecos o calaram com um pontapé.

Pois dentro da ostra não existia nada.

Nem pingas.

E então decidimos voar plumados.
 
Autor
Bruno Miguel Resende
 
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