Contos : 

O homem que morria todo dia !!

 
O homem que morria todo dia!!!

Tinha acabado de almoçar, mandei uma água no cadáver, botei o meu jaleco e saí com o pé no mundo. Destino a marginal da cidade de Sorocaba, o ano era 1988. Tomei o ônibus e desci na ponte da rua XV de Novembro, desci a rampa e me postei na beira da marginal. Visual: Pasta 007 preta, plaquinha da cidade de Jandira na mão, apontada para a avenida para os motorista que passavam. Primeira carona da minha vida.

Os carros passavam e nem ligavam para mim. Não é fácil a vida de professor, era o que passava na minha cabeça. E vinha de outra profissão. Era metalúrgico, inspetor de qualidade. Tinha saída da empresa por motivo de greve. Um caminhão parou e eu subi. Não lembro o nome do motorista. Porém para nossa história vamos chama-lo de Zecão. Era um cara grandão, digno do apelido que lhe dei!

Puxei a primeira conversa como carona:
- Você faz sempre estas viagem para São Paulo?
- Eu levo madeira de eucalipto para Suzano!
- O que é feito com essas madeiras?
- É eucalipto! Vira celulose e depois papel!

Bem, eu era tão por fora de tudo, que nem sabia que celulose viraria papel, mas continuei a conversa:
- Sempre dá carona para professor?
- Todo dia! Eu viajo sozinho e não é fácil ficar sem falar com ninguem! Como eu conheço a vida de carona que o professor leva, eu ajudo no que posso!

- Você não tem medo de carona? Pode ser que seja um disfarce de professor!
- Não acredito nesse disfarce, por causa da mercadoria que levo! Que bandido vai querer levar um monte de lenha? Mas isso não me preocupa agora! Quando eu era vivo me preocupava!

Quando o Zecão falou isso. Meu coração começou a bater forte. Fechei minha boca, olhei bem para ele, observei demoradamente o seu comportamento. Não o vi com cara de defunto, puxei conversa ainda meio trêmulo:

- E você morreu de que?
- Eu morro todo dia!
- Como você morre todo dia cara, nunca vi isso?
- Eu morro de rir dos que andam comigo de carona, como estou agora rindo de você. Eu gosto do impacto que provoco nos caronas!

- Alguém já passou mal com o fato de você já ter morrido?
- Já, uma professora, já senhora, acho que quase para aposentar. Eu falei que eu tinha medo de dar carona quando era vivo, mas depois que morri num acidente perdi o medo de dar carona!
- E a velhinha?
- Começou a ficar nervosa, depois garrou a soluçar e tremer, em seguida pediu para descer e não teve jeito mais, mesmo falando que era mentira, ela não acreditou. Desceu mesmo na metade do caminho e seguiu a pé!

- E você não tem dó das pessoas provocando esse medo nelas.
- Eu falo isso só para professores!
- Porque só para eles?
- Não sei, deve ser algum problema que eu tenho, tanto que tem noite que eu sonho que eu estou no inferno dando aula, sou professor de aprontações!

- Será que é trauma?
- É trauma de escola! Bom aluno não fui não! Eu cheguei até a sétima série, porque a minha mãe pegava no meu pé, senão nem sabia ler!

O Pedágio já estava próximo, ele foi parando, parando... parando... até que parou! E eu desci.
(Santiago Derin)





Exercitar a leitura é alimentar o intelecto!!!

 
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ramedaol
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