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Á pernas, para que vos quero!

 
Prendem-se-me os versos agarrados aos dedos e não sobem com o vento.
Prendem-se as pernas agarradas aos dias e não sobem ao campanário.

Se eu tivesse desprendimento e não gostasse de usar anéis, rifava os dedos numa daquelas rifas de instituição de solidariedade em que se levam todos os trastes que não cabem nos armários das recordações. Os trastes dos meus dedos incluindo o indicador que nenhuma falta me faz que a minha mãezinha logo de pequenina me disso que é feio apontar. Até o mais pequenino ia, que agora há cotonetes para limpar a cera do ouvido. Mas ainda assim, anda por aí muita gente com os ouvidos entupidos...

Se eu tivesse pernas, ia daqui a Guimarães buscar outras mais leves, feitas das sobras da madeira dos cabos das facas, ou dos cornos que também há facas de cabo de corno, sem ofensa para ninguém, sim, porque as minhas facas ou antes as minhas pernas não são facas que cortem em seara alheia.

Pois é, já me baralhei
com facas e baldrocas,
com estas e muitas outras,
já me fizeram esquecer,
o que me trouxe aqui...

Os versos para subir ao campanário ou as pernas para subir com o vento? Ou seria antes, os versos para lançar ao vento e as pernas para subir ao campanário?
Será que o desnorte já chegou às pernas e aos versos?

Ah, pois foi!...
As letras que serviriam para fazer os versos, comeram-nas nas duas extremidades até chegar ao tutano.
Os versos? Nem um! Foram parar todos ao orçamento do livro e do livro, nem uma folha!

As pernas agarraram-se ao canastro do corpo e disseram:
Ah, pernas para que vos quero! Vamo-nos pirar daqui!... Com o que andam a tirar viramos cabos para facas!...

Arre que é demais! Não há maneira de meterem a facas no texto grande para deixarem os pobres versos em paz!

Estou cada vez mais baralhada!...

Vou voltar ao início porque, lembrei-me agora, o que eu queria era subir ao campanário a tocar os sinos a fogo que esta merda está a queimar-me os versos...
Ou serão as pernas que estão a arder?

Porquê que a palavra merda me fica sublinhada no texto, quando a escrevo?
Já sei,... o sublinhado destaca a ideia...



Quisera eu ser poeta
Quisera eu ser pintor
Escrever telas e pintar poemas
Escrever, pintar, pintar,escrever
A humanidade com muita cor

 
Autor
adelaidemonteiro
 
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Enviado por Tópico
Margarete
Publicado: 30/05/2010 10:00  Atualizado: 30/05/2010 10:00
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 Á pernas, para que vos quero! à adelaide monteiro
gosto de facas a cortar e de palavras cortantes. gosto de lugares como este onde abrir os braços custa menos na vida. gosto de ficar ferida e abandonada como quem sorri.

isto sim é escrever. gostei.


um beijo,
mar.