SAUDADE DE VINÍCIUS

na verdade, meu bom amigo, é mais uma carta do que um poema. por isso abusei da linguagem mais coloquial possível, como o próprio poeta gostava.

grande abraço, irmão.

j.

tou com síndrome do pânico. num profundo estado de depressão. hoje, minha amiga, estou péssimo.

beijo, minha flor.

j.

ps: quem sabe vinícius me dê uma força, se bem que era a pessoa menos aconselhável pra isso. mas me deu saudade dele.

zarco, meu bom camarada,

sonhei com vinícius hoje. foi meio responsável pela minha poesia. quando vinha a são paulo, ficava em frente à minha casa. e assim ficamos amigos. eu tinha e tenho um carinho muito grande por ele, aliás amigo do o'neill. foi ele quem me ensinou a ler o o'neill.

abraço, camarada.

j.

o pai do vinícius, meu bom henrique, era professor de latim. daí a origem do nome dele e dos irmãos laeticia - assim mesmo - lígia e helius. vinícius era marcus vinícius. mas, aos nove anos, não se sabe como, em companhia da irmã mais velha, que o protegia, ele foi ao cartório e conseguiu retirar o marcus e ficar só vinícius. é um mistério como uma criança conseguiu fazer isto acompanhada de uma adolescente. coisas de vinícius. o marcus foi totalmente abolido do nome dele, inclusive quando prestou concurso para o serviço diplomático por aqui, onde serviu até ser aposentado pela compulsória a mando da ditadura militar, com este despacho de um general imbecil: "Demita este vagabundo..." só que o general, arthur da costa e silva passou obscuro e vinícius, vagabundo ou não, bêbado ou não, ficou para sempre, levando nossa cultura com seus poemas e canções, inclusive a portugal onde era muito querido e amigo de amália rodrigues - pra quem escreveu um fado lindíssimo -, alexandre o'neill, seu antologista em portugal e david mourão. no brasil fizeram essas coisas. depois da morte dele, a filha mais velha, susana, conseguiu sua reintegração ao serviço diplomático, onde ele entrou por concurso, e a família receber a aposentadoria. mas vinícius estava acima dessas coisas. o dinheiro era o que menos importava pra ele.vinícius foi um iluminado. fora esse general cretino, duvido que ele tivesse inimigos. claro que não se inclui na lista as mulheres dos nove casamentos que ele teve. era movido à paixão. a primeira mulher, uma intelectual, o odiava.

grande abraço, meu irmão poeta.

j.

uma história interessante do vinícius a contar aconteceu na cidade histórica de ouro preto, em minas gerais. vinícius tem um show marcado para fazer ao lado da bela cantora marília medalha e seu fiel escudeiro, toquinho. o teatro lotado. e vinícius não aparece. minas tem a tradição de ser um estado moralista. toquinho e marília estão apreensivos no palco. temem pelo pior.´toquinho disfarça e começa a dedilhar seu violão. marília canta qualquer coisa. é quando surge o poeta, na verdade o centro das atrações, completamente embriagado. seu amigo, o poeta chileno pablo neruda havia morrido, com a graça do ditador chileno pinochet. vinícius estava desfigurado, com a camisa aberta. senta-se. apanha seu copo de uísque e começa a vociferar:
"É foda...É foda...Eu quero que a tradicional família mineira vá pra puta que pariu..."
toquinho e marília gelam. vinícius é aplaudido de pé. coisas dele.

j.

obrigado por este presente lindo,meu irmão.

puta abraço,

j.

ps:ainda vamos tomar umas juntos.

vamos sim, nós mais o zé carioca e do dill
numa noitada aí no madame satã que nem sei se existe mais, eh, eh, senão num boteco qualquer.

rehgge.

o zé não sai da toca.nós vamos ter de ir pra lá. de lá ele não sai.

sai sim. é só dizer que aqui vai ter um monte de sanduba de mortadela, uma pinga de primeira e que
a cabocla jurema fará uma sessão exclusiva com ele
no atabaque, eh, eh.

arrasta ele pra cá que cachaça e terreiro de macumba eu arrumo. aqui no bixiga onde eu moro é o que mais tem.

é, cara, como seria bom juntar o pessoal amigo
pra jogar conversa fora.

vou encher o saco dele. pena ele não ter entrado no bate-papo.

até mais.

adoro o poeta do estácio, zé. além de compor bem, ele canta pra caralho.

beijo, irmão.

foi o drummond quem disse isso. quando vinícius começou a aparecer em público cantando sambas, alguns intelectuais puristas disseram que ele havia perdido a seriedade. puro preconceito. todos queriam fazer o que ele fez, mas não tinham coragem. foi vinícius quem deu dignidade à bossa-nova, até então uma brincadeira de meninos ricos da zona sul do rio de janeiro. as letras politizadas de vinícius fizeram da bossa-nova um movimento de verdade, que ganhou o mundo inteiro. ele viveu verdadeiramente como um poeta. talvez tenha sido o único. isto lhe custou uma aposentadoria forçada pelo itamarati. o serviço diplomático não apreciava muito um diplomata num palco cantando sambas com um copo de uísque na mão. eta gente preconceituosa.

j.

celina,
agredeço emocionado, porque tive a honra de ser amigo dele ainda adolescente.ele foi o culpado pelos meus tropeços poéticos.

um beijo carinhoso,

meu e do vina.

j

o poeta e o tom vão sempre agradecer à linda garota deles.onde estiverem. tomara que juntos.

vc é um encanto.

j.

querido amigo carlos,

hoje até eu me confundo: não sei se o vina era de moraes ou morais, porque o paulinho mendes campos, outro grande poeta, que também já se foi, escreveu que vinícius tinha moral até no plural. e o vina foi de fato querido por todo mundo. entre moraes e morais, vou pelo paulinho - susana a filha mais velha de vinícius que me desculpe, sei que ela é brava, mas não comigo:para mim é morais.

abraço, irmão. teu livro vai pra semana.

j.


ps: o correto é moraes. o resto foi brincadeira de bar. mas pra mim é morais, embora em alguns livros tenham publicado morais.

carlos,
não sei se vinicius não andou também nas águas da amália rodrigues, porque ele escreveu um fado lindo - Saudades do Brasil em Portugal, que ela gravou. vinícius não perdoava mulher. e portugal o adorava, inclusive o o'neill e david mourão.não sei se amália não caiu na lábia dele. mas o fado que ele fez pra ela é lindo.

j.